domingo, fevereiro 13, 2005
Memórias de um BeDófilo em Alhos Vedros V
Cap. IV – As revistas da estranja
Se exceptuarmos o material brasileiro (Disney, super-heróis da Marvel, Mad), até meio da adolescência quase não me passaram pelos olhos revistas estrangeiras de banda desenhada. De forma mais ou menos sistemática foi na primeira metade dos anos 80 que comecei a ter acesso a algumas das publicações mais interessantes do universo francófono.
Primeiro por via de um amigo que já trabalhava por Lisboa e depois, quando se arranjaram uns cobres e foi possível começar a explorar os alfarrabistas da zona do Bairro Alto e das Escadinhas do Duque (aí por 82-84), já com algumas aquisições próprias (em 2ª mão porque era mais barato), comecei a ler revistas como a Pilote, a Metal Hurlant e a (a suivre), todas para um público já menos adolescente que as clássicas Spirou ou Tintin. As idas a Lisboa, embora de início implicassem um grande investimento de tempo (comboio, barco e “a butes” pelo Chiado e Rua da Misericórdia acima) e dinheiro, compensavam porque os donos do sítio nos deixavam ficar uma boa hora a bisbilhotar tudo e a ler o que não se comprava.
Foi todo um novo mundo que se abriu, completamente diverso dos “quadradinhos” que lera até aí. Uma mais virada para o humor, outra para a imaginação fantástica e outra para uma abordagem mais literária da BD, as três completavam-se em finais dos anos 70 e na primeira metade dos anos 80.
A Pilote, de que me desapareceram os poucos exemplares que tinha, é a revista onde foram publicadas originalmente quase todas as aventuras de Astérix, visto ter sido Goscinny um dos seus principais editores, e foi muito importante na divulgação de séries como Tanguy e Laverdure, Valerian ou Tenente Blueberry e de autores humorísticos como Gtlib. Em 1974 tornou-se mensal e lançou autores fundamentais como Enki Bilal, Gerard Lauzier e Ribera, sendo esta a série que conheci menos mal (acabou em 1986 quando começava a ter algum dinheirinho para compras).
Quanto à Metal Hurlant (1975-1987), pioneira nas histórias de ficção científica fantástica, publicou grande parte da obra de Moebius e Druillet. Com um grafismo que lutava, para mim com vantagem, com as revistas americanas, a Metal Hurlant deixaria descendência mesmo depois de desaparecer, como se comprova pela manutenção de uma revista americana com o mesmo nome (em Portugal a Devir também publicou recentemente uma meia-dúzia de números de uma revista homónima) e por ter originado, directamente ou não, a outras como a Heavy Metal. Muito cara para a época, só lia as que me emprestavam e ainda hoje não tenho nenhuma desses tempos. Para isso também terá contribuido o facto de não ser grande fã de muitas das histórias de que gostava principalmente dos desenhos, não acompanhando os argumentos, por exemplo, de Jodorowski (o que ainda continua a acontecer).
Seria a (a suivre) a revista deste lote a que aderi com mais gosto. Menos clássica do que a Pilote, menos fantástica que a Metal Hurlant, a (a suivre), como o nome indica, publicava histórias em continuação, mas com excertos razoavelmente longos, tendo durado quase 20 anos (1978-1997). Misturando cor e preto e branco, divulgou autores fundamentais como Tardi, Hugo Pratt, Milo Manana e Jean-Claude Servais. Na altura custava cerca de 200$00 (o que era muito), pelo que só mais tarde consegui juntar as duas ou três dezenas de números que possuo e releio sempre com prazer. O seu número 100 (Maio de 1986) seria um marco, ao apresentar uma selecção dos melhores 100 álbuns de banda desenhada deste período dourado de uma banda desenhada francófona, definitivamente virada para um público mais adulto e com uma qualidade gráfica que marcaria tudo o que foi feito a partir de então na Europa.
Com o fim da Pilote Mensuel e da Metal Hurlant durante os anos 80, foi a vez das revistas de passar para as espanholas: a Totem, a Vibora, a Cimoc e outras. De França começaram a aparecer a Vécu (BD histórica), a 2ª série da Écho des Savannes (mais alternativa) e a Circus, mas já não era a mesma coisa. As idas às Escadinhas do Duque na segunda metade dos 80 já eram de carácter arqueológico e sem o mesmo entusiasmo. Nos anos 90 quase parei por completo de comprar BD estrangeira e voltei às origens, procurando reconstituir o possível da lusa Tintin e não deixar estragar o que me restava do Mundo de Aventuras.
António da Costa, 12 de fevereiro de 2005
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