quinta-feira, fevereiro 03, 2005

Pós-Debate

Depois de ver o debate, e na sequência de alguma coisa que escrevi no post acerca da polémica em torno do papel da Igreja e outros grupos de pressão na sociedade, vi Sócrates e Santana a uma outra luz, que já entrevira mas não de forma tão nítida.
Sócrates é claramente o testa-de-ferro de uma importante federação de interesses e grupos de pressão que se viram ameaçados por um Santana que é notoriamente um atirador furtivo, sem tropas de qualidade suficientes para o secundar e sem a almofada de nenhum dos mais fortes daqueles grupos a proteger-lhe a rectaguarda.
Batido como Primeiro-Ministro, batido no próprio debate, Santana vai acabar mais só do que nunca quando o PSD não encontrar nada nele, nem o potencial líder carismático capaz de ultrapassar o desalinhamento em relação aos interesses, mobilizando o eleitorado.
Santana já sabe que vai perder e que, desta vez, nada o vai salvar. Do outro lado, não está um sobranceiro e mal-preparado João Soares como nas eleições para a Câmara de Lisboa.
Sócrates não é um outro Santana, como o acusaram. É um político cerebral e mecânico, que soube tocar em pontos sensíveis ao centro e esquerda (como sublinhou Luís Osório ao intervalo na Dois) ao longo do debate, com o objectivo de não alienar nenhuma franja do seu eleitorado potencial.
Paulo Portas também já sabe que Santana vai perder e tenta, a todo o custo, ganhar com isso deslocando indecisos do centro para a direita, sublinhando com clareza a diferença do seu comportamento em relação aos últimos líderes do PSD - um Durão que foi à sua vida e um Santana que não sabe da dele. Toda a sua campanha, incluindo um piscar de olho aos socialistas em questões "estruturantes", destina-se a sublinhar uma postura merecedora de algum poder.
Por tudo isto e por momentos, tive pena de Santana.
Pensou que pudesse escapar sem o beneplácito dos "poderosos".
Se é verdade que ele se mostrou claramente incompetente como Primeiro-Ministro, incapaz de mobilizar no seu partido uma massa crítica capaz, também não deixa de ser verdade que todos os ajudaram a mostrar o pior de si mesmo: a impreparação, a crença no golpe de asa à última da hora, o improviso à moda do proverbial desenrascanço lusitano. O último prego no seu caixão foi, hoje, a tentação de se mostrar moderno ao abrir a porta ao debate de questões como a eutanásia e a clonagem. A desorientação que demonstra é natural em quem vê o chão fugir-lhe debaixo dos pés e não vê qualquer hipótese de futuro.
Por estranho que pareça, ou talvez não, poderá ter sido efectivamente a sua não dependência em relação a alguns "poderes" que o condenou.
Mas, não sei se percebeu que esses poderes não foram propriamente os da Banca, dos Senhorios ou outros que vislumbramos a olho nu.
Se calhar, bem no fundo, ele acabou por não ser condenado pelas razões justas, nem por aquelas que à primeira vista parecem.
Será que ele já o percebeu ?

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