quinta-feira, março 30, 2006

VPM: A substância em falta





Já me custa escrever sobre este abnegado intelectual moiteiro, homem de todos os ofícios em defesa da festa brava, sempre disposto a dar a cara em primeiro plano à fotografia em eventos taurinos, depois relatados na revista de que é um dos directores ou editores ou redactores ou lá o que é.
O rapaz, diz-me toda a gente que o conhece, é um bom rapaz, boa pessoa, amigo do seu amigo e tudo o mais.
Confesso não o conhecer pessoalmente, mas aceito as descrições como boas.
O meu problema, se chega a sê-lo, é com a sua persona pública, ou seja, com quem é autor de algumas das prosas mais pretensiosas dos últimos anos na imprensa local, sempre cheias de subentendidos, de coisas nque não se designam perfeitamente e de previsões acertadas depois do desfecho dos acontecimentos.
Mas até agora, vá que não vá.
Era um promotor destacado da moitice e da ideologia oficial do poder moiteiro, na sua versão recente político-taurina, mas não se metia directamente com a nossa terra.
Mas desta vez pisou em ramo verde, que é uma das cores alhosvedrenses.
E pisou de forma algo desastrada
, claramente carente de fundamentação e de forma evidente a fazer um frete ou então a dar largas a uma sua descontrolada raiva contida e não assumida contra o AVP e eu em particular (sim, eu sei !), masacarando isso com uma erudição que se lhe escapa por qualquer lado que não pela prosa.
Senão vejamos:
Alto: antes de mais, deixem de lado as últimas 3 colunas do texto que não passam de mambo-jambo verborreico e com tanto conteúdo substantivo como uma anedota do Fernando Rocha. Aquilo tem muito labor intelectual, visto de fora, mas não passa de um conjunto de reflexões certamente muito pessoais e legítimas, mas que para o caso em apreço e que resulta do título do artigo, não adiantam nada.
Concentremo-nos pois nos argumentos contidos nas duas primeiras colunas do texto de VPM e que são os seguintes, no que se refere à decadência de Alhos Vedros.

1) A desagregação do concelho de Alhos Vedros não se deve à autonomização de alguns lugares que o constituíam.
2) A evolução demográfica desta região foi desfavorável a Alhos Vedros entre os séculos XVI e XVIII.
3) No século XX, o Lavradio e a Baixa da Banheira cresceram muito e Alhos Vedros não.
4) Há 3 factores que contribuíram para o declínio de Alhos Vedros: assoreamento do Tejo, excentricidade em relação a novas rotas de comércio e trânsito de peões (!?) e depovoamento por pestilência.

A dar ganga a estas teorias, de há muito conhecidas e adiantadas por pessoas como José Manuel Vargas, Ana Leal ou António Ventura, VPM cita um livro pouco mais novo do que eu e "Bíblia" de todo o estudioso preguiçoso da margem sul (da autoria de Maria Alfreda Cruz) e os dados de recenseamentos de meados do século XX. O que é manifestamente curto, mesmo para um leigo como eu em Antopologias e outros saberes conexos.
Mas vamos lá atentar com mais cuidado ao argumentário do articulista, colocando-lhe um ou outro grão de areia na engrenagem intelectual.
Em primeiro lugar, os dados demográficos que apresenta são muito rarefeitos e passam por cima do facto da quebra maior em termos de crescimento se ter dado em Alhos Vedros, pelo que se sabe, ainda no século XV, quando a Peste Negra acabou por passar as margens do Tejo e fazer deste lado os seus efeitos, ao que não será estranho o facto do trânsito frequente entre a capital e AV quando o rei D. João nela se abrigou, exactamente da Peste que se espalhava por Lisboa.
Em segundo, afirma uma coisa perfeitamente estapafúrdia que é dizer que o concelho de Alhos Vedros não se desagregou por autonomia gradual de outras unidades adminsitrativas, mas pela dinâmica própria dessas localidades. Ora isto é um silogismo, ou melhor, é uma raciocínio teleológico, que encerra em si mesmo a sua resposta, ou seja, a sua formulação contém a resposta. Claro que a autonomia das outras localidades como o Barreiro e o Lavradio se deve à distância a que se encontravam de AV e ao seu crescimento populacional.
O mesmo já não se terá passado tanto com a Moita, por acaso, pois não será por desconhecimento mas falta de ocasião que VPM não terá usado os dados disponíveis para o século XVII, tanto sobre a população (pois é, para ler Nicolau de Oliveira não chega ir à Biblioteca Municipal), como sobre as circunstâncias da autonomização da Moita (deve ter qualquer coisa contra a leitura da obra da sua colega Maria Clara Santos publicada pela CMM há cerca de 15 anos) e todas as manigâncias em seu redor. Mas devemos ter compreensão, pois não podemos exigir a um técnico local com assoberbado horário de trabalho que possa aceder a esse tipo de leituras mais demoradas.
Em terceiro, mesmo que as ideias de VPM sejam válidas para as dinâmicas de crescimento, não deixa de ser válida a maior crítica substancial que aqui no AVP fazemos ao poder municipal sediado na Moita, na sua vertente moiteira, que é o do tratamento discriminatório de que AV foi sendo objecto desde que perdeu autoridade sobre si.
Porque não cresceu mais ? Porque estava mais longe da CUF, é certo, mas também porque um certo Presidente da CMM durante o Estado Novo assim o determinou, coisa que o jovem VPM não sabe, nunca ouviu falar, nem terá a possibilidade de ler em livro, pois é detalhe da tradição oral, área de estudo estranha por certo à vertente antropológica que perfilha.

Mas, e para terminar que a arenga vai longa, VPM não percebe que a crítica feita aos desmandos que têm sido feitos relativamente a Alhos Vedros nos últimos 100-150 anos, tem como origem o conteúdo da acção ou inacção política do poder moiteiro e não necessariamente a existência de um poder na Moita.
Se o seu exercício fosse ou tivesse sido justo e competente, tudo bem.
Mas não o foi.

Por falta de visão política.
Por casos de má-fé individual (o citado Presidente da CMM durante a ditadura).
E, evidentemente, por incapacidade técnica, como se percebe pelas insuficiências que alguns sectores teimam em orgulhosamente demonstrar.
Só espero que o trabalho político desenvolvido, mesmo se com a cobertura do valor académico acrescentado (?!), tenha a devida compensação pelas chefias e as palmadinhas nas costas dos seus colegas ainda menos capazes (ou com mais vergonha) de produzir este tipo de relambório.

AV1

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