sábado, março 25, 2006

Desafio aceite

O Bartolomé do Falta Papel desafiou-me por mail a repostar este texto, originalmente aqui publicado em 19 de Dezembro de 2003.
Em parte o motivo passará pela conclusão da divulgação do relatório da campanha arqueológica realizada no sítio da antiga Cadeia de Alhos Vedros no seu blog, a partir de cópias que lhe fomos fornecendo.
Como o texto permanece perfeitamente actual, pois por aqui o tempo passa mas parece que não, aqui fica ele, embora com uns dias de atraso sobre o prometido:

A perda da memória

Existem maneiras mais ou menos subtis de apagar a memória das populações/povoações.
Em Alhos Vedros uma das menos evidentes passa pela própria toponímia das ruas.
Quase ou mesmo todos os povoados com existência ancestral têm orgulho nas suas origens e exibem-no, como uma mais valia patrimonial. Qualquer terra com raízes (pré-)medievais como Alhos Vedros, para além do mais sede de concelho mais de meio milénio, regista para a posteridade os locais simbólicos da sua História comum. Têm a sua antiga “Rua Direita”, o seu Rossio, o Largo do Paço, as ruas com referências às antigas actividades económicas aí dominantes no passado mais ou menos longínquo ou com a evocação aos seus antigos habitantes mais ilustres.
Em Alhos Vedros, a memória parece ter sido apagada e reescrita apenas a partir do momento da sua decadência e em particular desde quando deixou de ser sede de concelho. Significa isto que, à parte os sacramentais navegadores dos Descobrimentos e terras do Ultramar que tanto diziam à toponímia salazarista, quase só encontramos por Alhos Vedros menções a datas/acontecimentos e figuras da História contemporânea (5 de Outubro, Cândido dos Reis, Miguel Bombarda, Agostinho Neto, Humberto Delgado, etc, etc). Até um 1º cabo, certamente conhecido na sua família, tem direito a uma rua mas nada sabemos da antiga toponímia da vila de Alhos Vedros. Aliás, mesmo uma das principais artérias da povoação (que corria das imediações da actual Junta de Freguesia até perto da actual Estação dos Caminhos de Ferro, passando pela Cadeia, Pelourinho e Misericórdia, com ramificações para os antigos Paços do Concelho e para a Igreja), está tão descaracterizada e segmentada que nada a evoca.Compreende-se que em povoados de instalação mais recente (Baixa da Banheira, Vale da Amoreira) ou de História mais curta e árida (a actual sede do concelho), não exista uma memória a preservar, mas numa terra com uma existência quase certamente milenar isso é incompreensível.
Culpa de quem ?
Culpa do poder e da gestão toponímica dos moiteiros e seus apaniguados, mas não só.
Culpa dos próprios alhosvedrenses que há muito parecem aceitar o seu destino como se ele não estivesse na suas mãos e como se deles também não dependesse algum tão simples, quanto fundamental, como a preservação da sua memória.

AV1

1 comentário:

A Vetus disse...

A principal responsabilidade pelos nomes das ruas é da Junta de Freguesia, que propõe à Câmara a atribuição dos topónimos.
Actualmente, para não entrar em grnades confusões, atribui-se nome de músicos, pássaros, etc.
A última grande discussão, com direito a propostas e tudo, foi promovida pela Assembleia de Freguesia de Alhos Vedros, à data presidida pelo Vitor Cabral, para atribuição de designação ao Parque. O nome mais consensual foi o do Parque das Salinas, que vingou.
Se tanto se fala na história de ALhos Vedros e do seu Foral, será que nomes como Fernão Casal, D. João I, Ínclita Geração, mesmo D. Afonso, 8º conde de Barcelos e 1º Duque de Bragança (que tinha palácio no Largo da Graça), ou o Marquês de Sampayo, fundador da Velhinha, não teriam direito a nome de Rua?