Para acabar, pela minha parte, de vez com a questão do aborto/IVG, vou organizar a minha tréplica a Titta Maurício em pontos breves divididos em duas partes:
1) Sobre o contexto da censura em Portugal:
a) A sua fixação no período republicano, com destaque para AfonsoCosta/Partido Democrático/Maçonaria/etc, como o da criação de braços-armados contra a liberdade de opinião carece de alguma perspectiva histórica. Com efeito, parece falhar, ali perto, o período do franquismo na fase terminal da Monarquia, para não falar do que se passou nas duas últimas décadas do século XIX. Por economia de espaço, escuso-me a demonstrar com aparato de erudição, porque julgo que sabe do que falo e só por lapso o não terá referido no seu texto.
b) Quanto a citar Júlia Leitão de Barros (a “Cuca” para os mais íntimos, círculo a que me orgulho de nunca ter pertencido, vai para trás, Satanás, bate na madeira três vezes) como autora “insuspeita”, deixa-me curioso quanto ao que define como “suspeito”. Mas enfim, isto é a chamada petite histoire da História. Não o sabia tão adepto de uma historiografia próxima do Bloco. Sempre é refrescante ver como as afinidades do clã Portas se reflectem no eleitorado das respectivas agremiações políticas.
c) Largue lá a beira da casaca do Dr. Soares. Raios, eu não sou o Sérgio Sousa Pinto. Estou-me nas tintas para o clã Soares. Respeito o homem como figura da História de Portugal, mas sei os seus limites humanos.
d) Deixe lá a história da ligação dos pretensos censores da I República do Barreiro com a PVDE. Em primeiro lugar, seria preciso prová-lo para além de um ou outro caso individual; em segundo, seria interessante saber onde foram dar os censores do Estado Novo no pós 25 de Abril; em terceiro, as histórias de censura explícita ou implícita estão demasiado frescas na nossa memória e é demasiado fácil apontar casos de vira-casaquismo a figuras actuais da sua área política.
2) Sobre o aborto/IVG:
a) Só o recurso a argumentos religiosos permite fazer separações absolutas entre (o valor d)a vida humana e (de) outras formas de vida, ao ponto de considerar um embrião de dias como uma pessoa formada e cuja sobrevivência é um valor absoluto a preservar, contrariamente a todas as restantes formas de vida que, no seu entrelaçado, formam o nosso ecossistema. Na ausência de uma fundamentação religiosa, somos apenas uma espécie animal a defender a sua preservação em detrimento das outras, o que é válido pelo seu imperativo prático mas pouco para consubstanciar elocubrações filosóficas muito profundas.
b) A ciência não é peremptória quanto à questão do momento em que um embrião deixa de ser um conjunto de células indiferenciadas e passa a poder considerar-se um ser com consciência da própria vida. O sistema nervoso começa a desenvolver-se às 6 semanas e termina aos 2 anos, diz-me. Acredito. Claro que ao fim de 3 meses já é óbvio que estamos perante um ser vivo que, se for interrompida a gestação, demonstra reacção à morte, mas isso acontece com qualquer ser vivo, até com uma planta. Para mim, é muito importante tentar perceber quando o ser, mais do que uma reacção simples à dor, já possui capacidade de se aperceber mesmo que de forma simples da sua “morte”. Pode achar chocante este meu tipo de comparações, mas essa é uma valoração moral sua.
c) Para mim, existem circunstâncias que justificam que, mesmo sem anomalias visíveis, seja preferível um potencial ser humano acabar por não sobreviver à gestação. Desde razões de grave involuntariedade dessa gestação (violação, por exemplo) a previsíveis condições de vida degradantes (caso de tantas crianças que vivem em situações de miséria, sofrimento e violência parental que chegam mesmo a mortes horrendas como o exemplo “televisivo” da Joana). Sou tendencialmente maltusiano porque considero que o crescimento da população não deve fazer-se de forma descontrolada, sem atender aos recursos e às condições de vida existentes. Sei que este foi um traço de algum discurso anarco-sindicalista de finais do século XIX, mas vivo bem com isso. Não significa isso que defenda posições eugénicas ou de esterilização forçada das pessoas.
d) Defendo, portanto, que por razões sociais ou de saúde, seja permitido aos pais (no sentido de pais e mães), recorrer ao aborto/IVG quando não existem condições para a sobrevivência da potencial criança com uma qualidade mínima suficiente. O prazo em causa (8, 12, 14 semanas) não consigo defini-lo.
e) As posições anti-aborto/IVG deveriam, para justificarem que não se baseiam apenas na imposição de ideias religiosas, desenvolver acções de esclarecimento junto das populações, prevenindo-as contra a gravidez indesejada, e não apenas apoiando quem já está nessa situação. Porque a verdade é que os movimentos pró-vida, na sua quase totalidade, defendem um posicionamento restritivo quanto à vida sexual dos indivíduos, confundido “sexualidade responsável” com a sexualidade como função humana tendente quase em exclusivo para a reprodução e não para a fruição. Negar isto é negar uma evidência.
f) Fica mal utilizar expressões como “gajas nas ondas” a quem se apresenta como defensor de uma discussão séria. A mim, que tenho a mania que sou engraçado e que nem gosto das senhoras, ainda vá, mas a si, conservador e defensor de firmes valores morais, fica muito mal rebaixar os adversários por via do desnecessário desvirtuamento da sua designação.
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