O Carnaval numa terra sem lei
Pediram-me um texto sobre memórias minhas de Alhos Vedros para assinalar o primeiro aniversário deste blog com o qual, de vez em quando, me digno colaborar. Aqui vai o que me ocorreu.
Em tempos em que a única manifestação popular com alguma dimensão em Alhos Vedros se resume ao desfile de Carnaval, numa versão meio abrasileirada, nada como recordar como as coisas eram no Entrudo de outros tempos que, para espanto nosso, já têm um quarto de século.
Para quem o viveu, o Carnaval de Alhos Vedros na segunda metade dos anos 70 era uma manifestação digna do velho faroeste.
Em especial no Domingo e Terça-Feira na curva da Estrada Nacional junto à Barbearia do “Setúbal”, da Taberna do Zé António e da antiga papelaria (de que não me lembro o nome) assistia-se a espectáculos impagáveis.
A partir da hora do almoço o pessoal ia-se juntando, assim como quem não quer a coisa.
A água estagnada do poço abandonado onde agora existem apartamentos ou a da bomba pública junto ao Coreto e frente à “Velhinha” era cuidadosamente recolhida em sacos pelos mais empreendedores e galhofeiros. Depois esses sacos eram alegremente despejados nos incautos condutores que, de janela aberta, passassem e abrandassem para fazer a curva ou, em momentos mais parados, sobre quem estivesse mais a jeito. A entrada/saída lateral do café do Júlio servia normalmente de atalho, para quem depois acabava por sair na Humberto Delgado como se nada fosse consigo.
Embora a cena se repetisse anualmente, a GNR só aparecia tarde e más horas para tentar dar uma aparência de ordem ao local. Eram normalmente dois agentes, nenhum deles a primar pela elegância, aprumo ou aparência de autoridade. Tentavam acomodar-se numa das esquinas do cruzamento, sendo rapidamente deixados isolados para servirem melhor de alvo. Com maior ou menor celeridade, lá vinham uns projécteis atirados por trás das casinhas da esquina contrária e lá tínhamos os sôres agentes mais ou menos molhados conforme a pontaria dos atiradores.
E assim se passava a tarde até ao anoitecer e a luz escassear, lá pelas 6 ou 7 da tarde.
Num desses Carnavais, um infeliz condutor mais corajoso (talvez pelo facto de ir num Mercedes, o que na época era sinal de estatuto bem mais raro que hoje) decidiu abrir a porta e vir discutir com quem lhe atirara água pela janela; imediatamente levou um balde inteiro em cima de outro folgazão, desatando então em correria, em perseguição de quem o molhara. O resultado foi que não apanhou o prevaricador (salvo erro o Zé Eduardo, que se escapou pela Cândido dos Reis acima) e deixou o carro à mão de semear do resto da turba. Penso que, mesmo para quem não assistiu, o desfecho não deixará grandes dúvidas. Quando voltou tinha o carro que parecia ter passado por Sadr-City nos dias que correm.
Bons velhos tempos de inconsciência e divertimento selvagem e luso.
Nada de meninas mal descobertas a tiritar de frio, em cima de camionetas mal amanhadas, imaginando que que estão a desfilar no Sambódromo com 40 graus à sombra.
Enfim, não havia dinheiro para mais, mas a malta divertia-se muito.
José Silva
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