domingo, maio 22, 2005

Pruridos e outras comichões



Não tenho grande dificuldade em perceber o pé-de-vento que algumas almas têm levantado por causa da introdução da Educação Sexual nas escolas do Ensino Básico e nomeadamente da estratégia adoptada de, seleccionando um exemplo caricato, investirem desabridamente contra a iniciativa.
O resumo é fácil de fazer e eu não vou encher isto de links porque não tenho pachorra para tal, chegando dizer que depois de muitas pressões subterrâneas a coisa chegou às páginas do Expresso no passado fim-de-semana e isso funcionou como efeito multiplicador.
Alguém encontrou um manual destinado ao primeiro ciclo do ensino básico repleto (ou nem isso...) de situações que se podem considerar manifestamente excessivas e mesmo caricaturais.
Em vez de se procurarem responsabilizar os responsáveis e contribuir para que sejam produzidos manuais mais adequados, as hordas soltaram-se contra a Educação Sexual nas Escolas, por essa ser uma matéria que invade as competências e o domínio exclusivo das famílias. Este tipo de reacção é próprio de quem usa o subterfúgio da árvore podre para justificar o abate da floresta. Ninguém se preocupou em exemplificar como seria o ensino correcto do assunto.
Sejamos claros.
O que está em causa não é um manual mal concebido para o fim a que se destina.
Se fosse isso, não existiria ensino entre nós, de tantos que são os erros ou equívocos que proliferam em manuais de Matemática, Língua Portuguesa, História, Biologia, etc.
O que está em causa é a recusa pura e simples de determinados sectores da sociedade em admitirem que é necessária uma Educação Sexual nas Escolas, como forma de acabar com determinados comportamentos de risco para a Saúde Pública e, também, a redução de muitos preconceitos intolerantes para com modos de vida diferentes.
Pior: deste exemplo, passou-se para a argumentação anexa que é a do excessivo papel do Estado nestas matérias e, por tabela, a necessidade de apoiar a existência de escolas privadas para nichos do mercado educativo maiores ou menores que pretendem controlar aquilo que é transmitido como conhecimento válido.
Em nome dos valores da Família e da Moral, pretende-se subtrair ao Estado a função de ministrar um ensino generalizado a todos e, se possível, os fundos que dão jeito à criação de escolas que ministrem aquele ensino que é considerado o mais adequado a determinados grupos de pressão com uma forte matriz ideológica.
E a Educação Sexual como matéria nova e sensível, mais vulnerável a ataques moralistas, é um alvo preferencial destas associações de Famílias Numerosas, Menos Numerosas e Outras que tais que, curiosamente, parecem esquecer que o ensino ministrado nas Escolas deve ser acompanhado e enquadrado exactamente no ambiente familiar.
Provavelmente, estas Associações terão menos problemas com o facto de serem ensinados erradamente conteúdos relacionados com os regimes totalitários que dizimaram milhões de pessoas no século passado do que com o que os meninos podem fazer com as suas pilinhas. E quase por certo preferirão que se ensinem dogmas que levaram a guerras e carnificinas do que ensinar as funções do "pipi" das meninas. Nunca ouvi estas Associações pronunciarem-se sobre mais nada do que o lado errado da Educação Sexual. Nunca os ouvi debruçarem-se sobre a qualidade de ensino de outras disciplinas, nem sobre a (eventual) má qualidade dos manuais. No fundo, só querem que as Famílias continuem Numerosas e a multiplicarem-se de acordo com a sua leitura dos textos bíblicos.
Não ocultemos o que está em causa e ponto final parágrafo.
Sou muito claro acerca disto: não tenho o mínimo problema que ensinem à minha descendência o que é a masturbação e que podem existir casais homossexuais que se consideram como famílias.
Pelo contrário, sou favorável à maior circulação possível da informação na sua forma mais cristalina e completa possível pois só dessa forma poderei exercer a minha função de esclarecimento como pai responsável e preocupado.
Tenho menos receio que a minha descendência faça mau uso do conhecimento do que da ignorância ou do conhecimento enviesado por preconceitos que, mais do que morais, são moralistas.
É claro que os pedagogos e sexólogos de pacotilha enrodilhados nas suas teorias coladas com cuspo são aliados objectivos de todos os que querem desacreditar a possibilidade de uma Educação Sexual nas Escolas.
E a pena é mesmo essa. É que dos dois lados da barricada estejam grupos de pressão mais interessados em provar o seu ponto do que em ajudarem ao estabelecimento de um serviço público - indispensável nos tempos que correm - de qualidade.
Mas fiquemos por aqui que a coisa já vai longa e não sei se interessante.

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