quinta-feira, março 16, 2006

AVP Quiosque III

Hoje, na secção de opinião do Jornal da Moita temos direito a um pleno avermelhado, de acordo com o tempo político que temos.
Não, não estou a provocar ninguém.
Apenas a constatar factos.
Invertendo a ordem natural das coisas, começarei pelo Nuno Cavaco que faz um texto como deve ser e, embora já saiba que só escreve o que bem entende, que corresponde ao que dele se esperaria, pela formação e funções que exerce. Nada a obstar, que eu, ao contrário do que três pessoas escrevem na concorrência, não digo mal de tudo por dizer ou por vir de quem vem.
Agora o texto assinado por Cláudia Soares, merece reflexão mais apurada porque, como se compreenderá, discordo de muito do que lá vem, não quanto à reprovação do tráfico humano, mas sim quanto à visão excessivamente moralista e algo maniqueísta que apresenta do que pode ser a prostituição, bem como à evidente incoerência relativamente a posição sobre outros assuntos "fracturantes" em discussão na sociedade.
Em termos muito breves, gostaria de explicitar o seguinte, como defensor assumido e de longa data da legalização da prostituição:

a) Não aceito que toda a bondade esteja do lado dos que criticam a prostituição e a querem ilegal e a maldade e o conluio implícito com os Al Capones deste mundo esteja do lado dos que querem a sua legalização e eventual profissionalização. Aliás, a referência ao Al Capone contém um paradoxo divertido, pois o Al Capone floresceu exactamente num ambiente proibicionista (a famosíssima Lei Seca nos EUA dos anos 20) e não num de liberalização da actividade de contrafacção a que se dedicava. O gangsterismo veio por tabelae por consequ~encia desse mesmo clima proibicionista e repressivo.

b) A confusão entre amor, sexo e prestação de serviços de natureza sexual não ajuda a nada, apenas contribuindo para, misturando tudo, tingir a análise com laivos morais, tentanto qualificar o outro lado como imoral.

c) A confusão entre "escravatura sexual" e "prostituição" padece do mal acima referido. Uma prostituição assumida como serviço voluntário remunerado não é escravatura. Assumir que ninguém poderá optar pela prostituição como actividade principal, a curto, médio ou longo prazo na sua vida, é demasiado ingénuo, bem-intencionado, idealista, mas pouco atento às realidades. Reduzir prostituição a escravatura é mistificar, por via da simplificação.

d) Criminalizar a prostituição, em vez de a legalizar, é estender a repressão a quem se afirma serem as vítimas de uma situação de exploração pessoal. No fundo, é algo próximo do debate em torno da criminalização ou despenalização do consumo de drogas leves (ou menos leves). Queremos combater os consumidores (vítimas ?) ou os traficantes (os verdadeiros beneficiários da situação) ?

e) Existem factos que fundamentem que a situação actual é mais favorável ao combate à prostituição, na sua modalidade criminosa de tráfico de seres humanos ? Não será mais correcto concentrar esforços no combate ao tráfico em vez de se dispersar a acção, reprimindo a mera prostituta de rua, com ou sem proxeneta a explorá-la ? De qualquer modo, todos sabemos onde a prostituição se exerce e em que moldes, mas ela continua lá ! Aliás, quando as autoridades agem em algumas zonas para fechar certos espaços em que ela se pratica, aparecem logo algumas vozes a acusar o Estado de moralismo e a polícia de andar a vigiar os costumes ! Afinal, em que ficamos ?

f) Não consigo compreender que quem aceite a despenalização do consumo de drogas ou do aborto, não aceite uma atitude similar em relação à prostituição. Se um consumidor ou toxicodependente não deve ser criminalizado, para não piorar ainda mais a sua situação de vulnerabilidade, porque deverá uma prostituta sê-lo ? Se é admissível que médicos e enfermeiras ganhem a sua vida a fazer abortos, porque não é admissível que uma mulher, homem ou transexual a ganhem usando o seu corpo como bem entendem ?

g) As invocações do valor da dignidade humana , do amor e da vida devem ser feitas de forma coerente e não oscilarem de tema para tema. Lá está, nesse aspecto, não sou muito pós-moderno. Acho que a dignidade humana se defende pela via da liberdade e se alguém decidir livremente, por estranho que seja a alguém (mas para mim também é estranho um tipo optar por ser ginecologista ou entomologista ou médico-legistam, tudo profissões respeitáveis), exercer a prostituição como ofício porque não o poderá fazer ? É que, queiram ou não, a sexualidade faz parte da natureza humana e uma vida sexual, mínima que seja, é uma necessidade humana básica e há muitas pessoas que precisam de recorrer a esse tipo de serviço, porque as suas vidas ou algumas limitações as deixaram privadas de tal. Alguém já pensou nisso, por exemplo ? Ou aí exerce-se caridade ?

h) O princípio de que a mulher (e o homem) tem direito a dispôr do seu corpo para mim é para ser levado a sério, sempre, desde que em liberdade, e não apenas em alguns casos.

AV1

2 comentários:

Anónimo disse...

Pronto.
Faço eu um comentário.
Deve ser do texto estar tão mau ou tão bom que nem merece que lhe repliquem.

AV disse...

Calma camarada, o texto está bom, mas o políticamente correcto tem muita força.

AV2