segunda-feira, março 06, 2006

Três Décadas de Poder Moiteiro em Democracia I

Tempos de Esperança (1974-1982)

Esses foram os tempos eufóricos de conquista da democracia e da experiência, quantas vezes desordenada e excessiva, do seu exercício, após muitos anos de poder local de nomeação governamental autocrática.
São os anos da Comissão Administrativa presidida por Staline Rodrigues e dos dois primeiros mandatos resultantes de eleições com a FEPU e a APU a ganhar com maiorias quase qualificadas de dois terços com Fernando Madeira Ribeiro e José de Brito Apolónia em 1976 (quando os míticos GDUP's de Otelo antecessores do Bloco chegaram a 9,7%) e 1979 (quando apenas o PS conseguia eleger um vereador para a Oposição).
Foram tempos em que muitos dos mais empedernidos situacionistas do anterior regime se declararam esquerdistas de sempre e muitos acorreram à sede para obter o cartãozinho milagroso de militante do PC e toca de colarem cartazes com a foice e martelo à porta. Na Moita e em especial em Alhos Vedros, o PS era já de direita e para lá dele eram todos fascistas. Em 1976, as forças que foram a votos foram apenas a FEPU, o PS, os GDUP's, o MRPP e o PCP (m-l) e mais nada.
Foram tempos em que se fez muita coisa boa, de mistura com grandes asneiras.
Graças ao aumento do poder de compra das famílias dos operários da CUF, Lisnave, Setenave e Siderurgia foram os anos em que se concretizaram muitos pequenos sonhos (o primeiro carro, o terrenozinho para uma casa) e se afstou para a malta nova a nuvem negra de irem parar a Angola ou à Guiné.
A nível de obra feita, foram anos de arranque de obras de saneamento e de melhoria de muitas vias e artérias do concelho, enquanto cresciam zonas periféricas da "vila" de Alhos Vedros como as Morçoas (que chegou a ter clube de futebol) e as Arroteias, estas com muita ocupação selvagem, mas tolerada pelo poder que se queria "popular", de terrenos que depois logo se legalizariam à medida que as vivendas se fossem fazendo.
Foram anos em que a moitice andou arredia, porque muito do marialvismo taurino estava associado ao regime anterior e resolveu desaparecer ou fazer-se discreto.
Por outro lado, a asneira empurrou muita gente para fora, em especial das famílias mais ricas de "capitalistas" que deixaram as suas casas ao abandono e à mercê das ocupações mais afoitas, como no caso da sede do MRPP. Asneira foi também o fazer tábua rasa de algumas tradições e festividades locais, tendo nesse aspecto sido Alhos Vedros especialmente atingida com o fim de quase tudo: desde a feira mensal às festas da terra. Asneira foi ainda a autorização para instalação do cais de desmantelamento de navios no chamado "Cais Novo".
Por um lado, foi por aí que se perdeu a oportunidade de inverter a subalternização de Alhos Vedros no âmbito do concelho, pois a Baixa da Banheira "explodiria" nos anos 70 a nível populacional e comercial; por outro, isso permitiria alguma preservação das marcas e espaços tradicionais da terra que, em virtude da prolongada estagnação, poderia ter dado origem mais tarde a um aproveitamento em termos de preservação do património, de manutenção do seu verdadeiro centro histórico e da sua relação com o rio.
O balanço deste períiodo oscila entre o entusiasmo da conquista da liberdade e a constatação de alguns erros resultantes da cegueira do momento e da inexperiência política ao nível da gestão autárquica.
Mas o pior estaria para vir, com o refluxo da situação político-económica na Península de Setúbal, o qual marcaria muito a vida do concelho nos anos 80, condicionando a evolução posterior e, ao colocá-lo duramente à prova, demonstraria como o poder político local estava preso a esquemas ideológicos crescentemente anquilosados, embora permeáveis às tentações óbvias do curto prazo.
Mas isso fica para o próximo capítulo sobre o longo e decisivo período de 1982 a 1997, quando tudo não andou ou andou para trás.
Em termos de IMI, o índice moitice intrínseca, este período leva um 3/10 de moitice voluntária, mas leva 5/10 em moitice involuntária, porque algumas asneiras básicas tiveram aí a sua semente.

AV1

6 comentários:

Anónimo disse...

Amigo, sem te conhecer, suponho eu por este universo bloguista, gosto do que escreves, suporto até bem quando beliscas o que entendo á dimensão do susceptível.
Mas neste post, interessante e espígador, não vai fecundar a seara por falta de vento.
O escrito está no jeito de antes de passar já passou, e apenas pela velocidade com que aligeiras.
A realidade social correspondente às épocas que referes(?)Como tudo aquilo, jogou, mexeu com as pessoas, com a vida de todos nós? Pela minha banda, poderia resumir pelas condições em que vivia, que o periodo do PREC libertou-me de ter de acarretar com a "tigela da casa", às vezes em espera que chegasse "a Pipa da Merda".

P'la tua compostura intelectual, vais aguentar este excesso, ele é verdadeiro.

Trata isto com mais afinco, aliás, como sabes.

Anónimo disse...

Amigo, sem te conhecer, suponho eu por este universo bloguista, gosto do que escreves, suporto até bem quando beliscas o que entendo á dimensão do susceptível.
Mas neste post, interessante e espígador, não vai fecundar a seara por falta de vento.
O escrito está no jeito de antes de passar já passou, e apenas pela velocidade com que aligeiras.
A realidade social correspondente às épocas que referes(?)Como tudo aquilo, jogou, mexeu com as pessoas, com a vida de todos nós? Pela minha banda, poderia resumir pelas condições em que vivia, que o periodo do PREC libertou-me de ter de acarretar com a "tigela da casa", às vezes em espera que chegasse "a Pipa da Merda".

P'la tua compostura intelectual, vais aguentar este excesso, ele é verdadeiro.

Trata isto com mais afinco, aliás, como sabes.

Anónimo disse...

Amigo Broncas,
Não dá para em poucos post retratar tudo aquilo que se passou.
Este é apenas um texto, tipo voo planante, porque quem viveu a época sabe e quem não viveu sempre ficará com curiosidade.

Este é um texto destinado mais a introduzir aquilo que eu acho que veio a ser o pior período que por aqui se passou, a todos os níveis, depois de 74.

Por outro lado, existem algumas limitações minhas neste particular porque ainda era razoavelmente puto para perceber tudo o que se passava em meu redor e, por outro, este não é um texto destinado a recordar "a realidade social" da época, que já aflorei em outros momentos, não sendo aqui a ocasião.

Mas, e porque também gosto do que escreves e em especial da mistura de jeito e força com que o fazes, gostaria que tentasses fazer uma leitura paralela desta mesma época, porque acredito que consigas ir mais fundo em matérias de interesse do que eu conseguirei.

Um abraço para ti e todo o Arre-Macho,

joao figueiredo disse...

fico à espera do resto

Anónimo disse...

O amigo Figueiredo vai ter de esperar. O meu tempo é curto, o trabalho que faço é duro e como emprego é mau. Registe no entanto que num dia destes aconteça, com o Av iniciar-se um balanço do periodo a que ele se referiu, de forma mais precisa. Não ajeitando a história ao nosso gosto, mas no esforço de acertar com a história que foi.
Aliás trabalho mal feito ao longo dos séculos, nesta sociedade, uma das mais velhas nacionalidades europeias da era pós romana. Aos grandes acontecimentos da nossa história, a transposição para a sabedoria popular sempre pouco ou nada se verificou, talvez por isso
a afirmação da nossa identidade ainda hoje não seja fácil, vagueia num espaço erudito como durante séculos esteve encerrada nas abadias.
Talvez seja por isto que ainda é fácil - "pentearem-nos os crãneos ermos/com as cabeleiras dos avós/ para jamais nos parecer-mos/connosco quando estamos sós.
Como escreveu Natália Correia.

Espere, vai valer, e haverá espaço p'ra si.

Anónimo disse...

Eu acho melhor passar o testemunho ao Broncas porque eu, dos detalhes mais acessíveis aos conhecedores, sei pouco, pois estive muito ausente durante muito tempo, em especial em grande parte dos anos 80 e 90 de tão farto de tudo isto e de tanta tacanhez.
Daí que pouco exista a recear em termos de pormenores escaldantes, pois o que sei passa só pelo que vi e o que vi foi quase só o que se vê pelas ruas.

Quanto ao ajeitar da História, eu só a ajeito ao que sei e nos anos 70 o meu problema era mais jogar à bola, coleccionar cromos e tentar apalpar umas miúdas.
;)