quinta-feira, maio 05, 2005

O Salariato, por Pedro Kropotkine, 2ª Parte

"Desmascaramento da vigarice Marxista"

...Continuação do texto sobre a impossibilidade da existência do dinheiro numa sociedade comunista.

«Examinemos melhor este sistema de retribuição do trabalho recomenda­do pelos colectivistas franceses, alemães, ingleses e italianos. Reduz-se mais ou menos a isto: Toda a gente trabalha, seja nos campos, nas fábricas, nas escolas,. nos hospitais, etc. etc. O dia de trabalho é regulado pelo Estado ao qual pertence a terra, as fábricas,. as vias de comunicação e tudo o mais. Cada trabalhador que tenha feito um dia de trabalho recebe uma senha com, digamos, as seguintes pala­vras: oito horas de trabalho. Com esta senha pode obter, nos armazéns do Estado ou das diversas corporações, qualquer espécie de mercadorias. A senha é divisível,. de modo que pode comprar-se uma hora de trabalho de carne, dez minutos de fósforos ou meia-hora de tabaco. Depois da Revolução Colectivista, em vez de «dois Euros de sabão» dir-se-á «cinco minutos de sabão».
A maioria dos colectivistas, fiel à distinção estabelecida pelos econo­mistas burgueses (e também por Marx) entre trabalho qualificado e trabalho simples, diz-nos que o trabalho qualificado, ou profissional, deverá ser pago um certo número de vezes mais do que o trabalho simples. Assim, uma hora de trabalho de um médico deverá ser considerada equivalente a duas ou três horas de trabalho de uma enfermeira ou a três horas de trabalho de um calceteiro. «o trabalho profissional, ou qualificado, será um múltiplo do trabalho simples», afir­ma o colectivista Groenlund, porque este tipo de trabalho requer uma aprendi­zagem mais ou menos longa.
Outros colectivistas, como os marxistas franceses, não fazem esta dis­tinção. Proclamam a «igualdade de salários». O médico, o mestre-escola e o pro­fessor serão pagos em senhas de trabalho à mesma taxa que o calceteiro. Oito horas passadas a trabalhar no hospital terão o mesmo valor que oito horas passa­das a trabalhar numa estrada, numa mina ou numa fábrica.
Alguns há que ainda fazem mais uma concessão: o trabalho desagradá­vel ou prejudicial à saúde - tal como o dos esgotos - poderá ser pago a uma taxa mais elevada do que o trabalho agradável. Segundo eles, uma hora de serviço nos esgotos valerá duas horas de trabalho dum professor.
Certos colectivistas admitem ainda a retribuição em bloco por corpora­ção. Assim, uma corporação diria: «Estão aqui cem toneladas de aço. Para produzi-las necessitámos de cem trabalhadores e trabalhámos durante dez dias. Como o nosso dia de trabalho é de oito horas, trabalhámos oito mil horas para produzir cem toneladas de aço, ou seja, oitenta horas por tonelada». Então, o Estado pa­gar-lhe-ia oito mil senhas de trabalho de uma hora cada e os membros da corporação reparti-las-iam entre si como entendessem.
Por outro lado, se cem mineiros tivessem trabalhado durante vinte dias para extrair oito mil toneladas de carvão, cada tonelada valeria duas horas e as dezasseis mil senhas de uma hora cada recebidas pela corporação dos mineiros seriam repartidas entre eles segundo o seu próprio critério.
Se houvesse disputa - se os mineiros protestassem e dissessem que uma tonelada de aço devia custar sessenta horas de trabalho em vez de oitenta,se o' professor quisesse receber pelo seu dia de trabalho o dobro da enfermeira ­então o Estado interviria e resolveria os diferendos.
Em poucas palavras, é esta a organização que os colectivistas querem fazer surgir da Revolução Social. Como se vê, os seus princípios são a proprie­dade colectiva dos instrumentos de trabalho e a remuneração de cada um segundo o tempo empregue na produção tendo em conta a produtividade do seu trabalho. Quanto ao regime político, seria o regime parlamentar melhorado pela mudança dos homens no poder, o mandato imperativo e o referendo, isto é, o plebiscito sim ou não sobre as questões que fossem submetidas ao voto popular.

Digamos, antes de mais, que este sistema nos parece absolutamente ir­realizável.

Os colectivistas começam por proclamar um princípio revolucionário ­a abolição da propriedade privada - e negam-no logo a seguir ao manter uma organização da produção e do consumo que nasceu da propriedade privada. ­
Proclamam um princípio revolucionário e, esquecimento inconcebível, ignoram as consequências que deverá ter um princípio tão diferente do actual. Esquecem-se que o próprio facto de abolir a propriedade individual dos instrumentos do tra­balho (solo, fábricas, meios de comunicação, capitais) deverá lançar a sociedade em caminhos completamente novos, deverá modificar a produção de alto a baixo tanto nos meios como nos fins: logo que as terras, as máquinas e tudo o resto sejam considerados posse comum, todas as relações quotidianas entre indivíduos deverão ser modificadas.
«Nada de propriedade privada», dizem os colectivistas, e logo a seguir mantêm a propriedade privada nas suas manifestações quotidianas. «Vocês vão constituir-se em comuna para produzir», dizem eles. «Os campos, as ferramentas, as máquinas pertencer-vos-ão em comum. O que foi feito até hoje - as fábricas, os caminhos de ferro, os portos e as minas - pertencer-vos-á a todos. Não será feita a mínima distinção relativamente à parte que anteriormente coube a cada um de vós para construir as máquinas, abrir as minas ou instalar os caminhos de ferro».
«Porém, a partir de amanhã, disputar-vos-eis minuciosamente sobre a parte que vos caberá na construção de novas máquinas, na abertura de novas minas. A partir de amanhã, procurareis calcular exactamente a parte que irá caber a cada um de vós na nova produção. Contareis os vossos minutos de tra­balho e estareis alerta para que um minuto de trabalho do vosso vizinho não possa comprar mais produtos do que o vosso».
«Calculareis as horas e os minutos do vosso trabalho, e como a hora não mede nada, pois em determinada fábrica um trabalhador pode vigiar quatro teares ao mesmo tempo enquanto que noutra só vigia dois, devereis medir a força muscular, a energia cerebral e a energia nervosa empregues. Calculareis minuciosamente os anos de aprendizagem para avaliar exactamente a parte de cada um de vós na futura produção». Tudo isto depois de ter declarado que não se leva em consideração a parte que cada um forneceu no passado.
Ora bem, para nós é evidente que uma nação ou uma comuna que se entregasse a semelhante organização não chegaria a subsistir um mês. Uma sociedade não pode organizar-se com base em dois princípios absolutamente opostos, dois princípios que se contradizem a par e passo. E a nação ou a comuna que se entregasse a semelhante organização seria forçada a retornar à propriedade pri­vada, ou, então, a transformar-se imediatamente numa sociedade comunista.
Dissemos que a maioria dos escritores colectivistas propõem que na sociedade socialista a retribuição seja feita estabelecendo uma distinção entre trabalho qualificado ou profissional e trabalho simples.
Eles pretendem que a hora de trabalho do engenheiro ou do arquitecto valha duas ou três horas de trabalho do ferreiro, do pedreiro ou da enfermeira. E a mesma distinção deve ser estabelecida, dizem eles, entre os trabalhadores cujo ofício exige uma aprendizagem mais ou menos longa e os que não passam de simples serventes.
Assim sucede na sociedade burguesa, assim deverá suceder na Sociedade colectivista.
Ora bem, estabelecer esta distinção é manter todas as desigualdades da sociedade actual. É estabelecer desde logo uma demarcação entre os trabalhadores e os que pretendem governá-los. É, de qualquer modo, dividir a sociedade em duas classes bem distintas - a aristocracia do saber, acima da plebe das mãos calejadas -, uma destinada a servir a outra, a trabalhar com os seus braços para alimentar e vestir os outros, aproveitando estes o seu lazer para aprender a dominar os que os alimentam.
É mais do que isso, é pegar numa das características da sociedade bur­guesa e dar-lhe o aval da Revolução Social. É erigir em princípio um abuso que hoje condenamos na velha sociedade em vias de desaparecer.»

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