quarta-feira, julho 20, 2005

Tarde e a más horas...

Luís Campos e Cunha deixou de ser Ministro das Finanças.
Antes de mais e à primeira vista, são boas notícias.
Por mim, nunca o deveria ter sido ou, em alternativa, deveria ter sido varrido bem mais cedo.
Num governo maioritário com uma legitimidade fresca, devia ter-se ido buscar alguém com mais capacidade política e técnica, não chegando um teórico, agradado com as mordomias decorrentes da ocupação de cargos políticos ou de confiança política, mas profundamente inepto na comunicação do que pensa ou quer fazer.
Tive vários professores universitários deste género: tidos como absolutamente geniais, em função do que escreviam, mas perfeitamente aterradores a dar aulas e quando se procurava obter deles uma orientação capaz para a realização de um trabalho prático.
No presente caso, o homem até pode ser um grande génio.
Mas parece sinceramente um abrenúncio quando abre a boca. Por uma vez, concordei com o Pires de Lima Jr. quando lhe chamou Xanax a propósito do debate do Orçamento Rectificativo.
Recentemente, as suas declarações na Comissão Parlamentar roçaram o completo desnorte, como se fosse um técnico convidado a dar a opinião sobre o desempenho dos últimos governos.
Ora não é isso que se espera de um Ministro de Estado e das Finanças.
Talvez a gota de água tenha sido a publicação do seu artigo "Economia e Finanças" no Público de passado Domingo que, curiosamente, comprei devido à reflexão de António Barreto sobre as elites portuguesas, em que polemiza com Vasco Pulido valente.
O artigo de Canpos e Cunha lá vem, qual dissertação para uma sebenta académica do curso de Economia, eventualmente para uma cadeira de Finaças Públicas. Ou como um artigo de um opinador sobre a matéria.
Não é um mau artigo, mesmo se fica por muitas evidências e não chega aos calcanhares de cinco minutos de análise do Peres Metello na TVI
, mesmo em dia de interrupções da Manuela Moura Guedes.
No fundo, Campos e Cunha afirma que Portugal teve muito investimento público que não deu retorno económico visível: «Portugal(...) teve esforços de investimento público praticamente constante e rondando os 3,7 por cento do PIB. No entanto, o crescimento anual médio da economia não parou de cair (...)».
Todos o sabemos.
O dinheiro choveu, mas pouco frutificou.
Campos e Cunha escreve que «hoje viveríamos melhor se certos investimentos não tivessem sido realizados». Já tínhamos notado isso. Esqueceu-se foi de concretizar, identificando maus investimentos e explicando porquê.
Campos e Cunha afirma que os investimentos públicos devem ser selectivos e de boa qualidade, pois «a qualidade da despesa pública passa pela criteriosa e apertada selecção dos investimentos». Não se poderia estar mais de acordo. Gastar dinheiro, só porque dá jeito a determinados grupos económicos ligados a determinadas áreas das Obras Públicas não favorece o país.
Só que Campos e Cunha deveria ter dito tudo isso a José Sócrates quando discutiu/aceitou ser Ministro das Finanças ou, o mais tardar, deveria ter exposto as suas posições no Conselho de Ministros, logo que a oportunidade surgiu.
Agora, fazer um artigo destes de opinião, significa que não falou quando devia ou, se falou, que não lhe deram suficientes ouvidos e ele achou melhor marcar uma posição e tentar condicionar o futuro.
Até pode estar coberto de razão. Mas é óbvio que indirectamente Campos e Cunha estava a demarcar-se da política recentemente anunciada por Sócrates e Manuel Pinho para o Investimento Público.
Ora a Sócrates só restava, em nome de um mínimo de autoridade, mandá-lo passear para outra freguesia. Em seguida, deveria escolher rapidamente um novo Ministro de perfil forte e ideias claras.
Em vez disso, fez à moda antiga dos governos desgastados, repescando um Secretário de Estado da primeira fase do guterrismo, sem ideário próprio que se conheça
e, por certo, mais moldável aos interesses colectivos do Governo mesmo que, eventualmente, pior para os interesses do país.
Vamos ter um mero gestor do possível, destinado a gerir os equilíbrios instáveis que o rodearão, sem uma autoridade política sobre os colegas de governo.
Ou seja, já entrámos num processo de desgaste e erosão da equipa governativa, mal vão quatro meses de governo.
Será que nem com uma maioria clara, se consegue arranjar uma equipa coesa e competente para nos governar ?
Uma mera dúzia e meia de Ministros e umas poucas dezenas de secretário e subsecretários de Estado ?
Estaremos condenado à bicharada e a ver um Luís Filipe Meneses, como político-comentador da SIC-Notícias, clamar contra o estado das coisas ?
Tristes tempos estes que estamos condenados a viver.
Pastosa a mediocridade em que nos atolamos cada vez mais.

AV1

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