«Esta história passou-se há muito, muito tempo, quando ainda era uma vez...
Era eu miúdo novo, que vivia com os meus amigos numa aldeiazinha à beira-mar, onde tínhamos um vizinho, miúdo mais novo do que eu mas espigadote, de seu nome Luisinho, afilhado de gente importante na terra, no caso do senhor Graça, pessoa de títulos e poderes vários, homem sério que sempre quis o melhor para os seus afilhados e respectivos amigos. Homem que tinha subido a pulso na vida e por isso se sentia bem na sua pele e pergaminhos, gente de pensamento esclarecido e acção firme.
Em tenras idades ninguém repara nisso e o que nós queríamos era brincar, não nos ocorrendo outros formalismos que o respeito pelas regras do jogo honesto.
Só que o menino Luisinho era especial, sentia-se importante e achava que podia ditar as regras a todos os meninos do bairro, regras esses que o seu padrinho ditava e com que todos os padrinhos da vizinhança tinham concordado impôr a quem era apenas pai ou tio e respectivas descendências.
O menino Luisinho dizia que só brincava com meninos vestidos todos de seda branca, porque isso era sinal de pureza e mesmo de coragem perante o risco da porcaria. E sinal de grande superioridade sobre todos os que assim não se vestissem.
Ora, a miudagem de família mais pobrezinha como eu, sem padrinhos, só arranjava forma de se vestir de burel castanho, tecido e cor mais resistentes às ameaças da dita porcaria, que nos permitia jogar à bola mais despreocupadamente, pois ainda não tinham inventado as máquinas de lavar.
Ora o menino Luisinho dizia que nós éramos uns sujos e que connosco não brincava, que eramos inferiores e não sabíamos o que dizíamos, que assim nem nos conseguia distinguir uns dos outros para quando fosse preciso mandar dar-nos umas palmatoadas quando marcássemos algum golo indesejado, e que só brincava com meninos de branco ou então de vermelho escarlate, desde que fossem maiores e também afilhados de padrinhos vizinhos do senhor Graça ou da família dos Figueiras, outra gente importante e de descendência ancestral, oriunda das trevas dos tempos quando se tinham destacado no combate aos dragões medievais. Também trajado sempre de branco, e de dedo apontado aos meninos de castanho (quando o não metia no nariz, porque era criança que produzia abundante muco), havia ainda o menino Huguinho, criança menos esperta do que a média, mas que compensava com a estridência da gritaria a falta de matéria substancial no cucuruto.
E assim era, os meninos de branco brincavam entre si com muita alegria, com o beneplácito do senhor Graça e dos seus amigos o senhor Raposinho, o senhor Castanheiro, o senhor Patacoada e outros mais que tais, e entretinham-se a chamar mentirosos, porcos, feios e maus a nós, os meninos de castanho.
Ora não é o espanto, quando numa Páscoa meio chuvosa, um de nós vai de passeio a uma terra algo distante, aproveitando fim-de-semana prolongado para visitar a família, e o que vê: os meninos Luisinho e Huguinho em animada brincadeira com outros meninos, uns brancos, outros vermelhos, mas muitos, muitos mesmo, castanhos.
Espanto, admiração !!!
O Luisinho e o Huguinho a brincarem com meninos vestidos de castanho ?
Então os meninos castanhos não eram sujos, porcos e maus, para além de mentirosos e cobardes ?
Não, afinal parecia que não.
Em tenras idades ninguém repara nisso e o que nós queríamos era brincar, não nos ocorrendo outros formalismos que o respeito pelas regras do jogo honesto.
Só que o menino Luisinho era especial, sentia-se importante e achava que podia ditar as regras a todos os meninos do bairro, regras esses que o seu padrinho ditava e com que todos os padrinhos da vizinhança tinham concordado impôr a quem era apenas pai ou tio e respectivas descendências.
O menino Luisinho dizia que só brincava com meninos vestidos todos de seda branca, porque isso era sinal de pureza e mesmo de coragem perante o risco da porcaria. E sinal de grande superioridade sobre todos os que assim não se vestissem.
Ora, a miudagem de família mais pobrezinha como eu, sem padrinhos, só arranjava forma de se vestir de burel castanho, tecido e cor mais resistentes às ameaças da dita porcaria, que nos permitia jogar à bola mais despreocupadamente, pois ainda não tinham inventado as máquinas de lavar.
Ora o menino Luisinho dizia que nós éramos uns sujos e que connosco não brincava, que eramos inferiores e não sabíamos o que dizíamos, que assim nem nos conseguia distinguir uns dos outros para quando fosse preciso mandar dar-nos umas palmatoadas quando marcássemos algum golo indesejado, e que só brincava com meninos de branco ou então de vermelho escarlate, desde que fossem maiores e também afilhados de padrinhos vizinhos do senhor Graça ou da família dos Figueiras, outra gente importante e de descendência ancestral, oriunda das trevas dos tempos quando se tinham destacado no combate aos dragões medievais. Também trajado sempre de branco, e de dedo apontado aos meninos de castanho (quando o não metia no nariz, porque era criança que produzia abundante muco), havia ainda o menino Huguinho, criança menos esperta do que a média, mas que compensava com a estridência da gritaria a falta de matéria substancial no cucuruto.
E assim era, os meninos de branco brincavam entre si com muita alegria, com o beneplácito do senhor Graça e dos seus amigos o senhor Raposinho, o senhor Castanheiro, o senhor Patacoada e outros mais que tais, e entretinham-se a chamar mentirosos, porcos, feios e maus a nós, os meninos de castanho.
Ora não é o espanto, quando numa Páscoa meio chuvosa, um de nós vai de passeio a uma terra algo distante, aproveitando fim-de-semana prolongado para visitar a família, e o que vê: os meninos Luisinho e Huguinho em animada brincadeira com outros meninos, uns brancos, outros vermelhos, mas muitos, muitos mesmo, castanhos.
Espanto, admiração !!!
O Luisinho e o Huguinho a brincarem com meninos vestidos de castanho ?
Então os meninos castanhos não eram sujos, porcos e maus, para além de mentirosos e cobardes ?
Não, afinal parecia que não.
E lá fomos nós para casa, quanto o Gorgulhinho nos contou o que vira, castanho esverdeado de tão assarapantado.
O pai de um de nós, pessoa paciente e conhecedora da vida explicou-nos, quando nos reunimos na manhã seguinte no pátio comum onde todos partilhávamos a sentina, que há três verdades e que as coisas não são iguais em todo o lado. Na nossa aldeia (a Verdalheja, do couto da Vermelhusca) há uma verdade, naquela outra aldeia (conhecida por Marinhais Pequenos) existia outra verdade e, vejam lá a capacidade de prevenção do afilhado do senhor Graça, ainda ficava de parte uma outra verdade para quando fosse necessário, se fosse de viagem para outro lado.
Mas isso não é uma espécie de aldrabice ? - perguntou um dos castanhinhos ingénuos da Verdalheja, de olhos muito abertos.
Não, não, disse o pai, aldrabão é quem é castanho nesta aldeia, porque aqui isso é verdade.
Mas lá adiante, depois do rio e por trás das serras, como a verdade é outra, já o aldrabão que aqui seria, lá não é não.
O pai de um de nós, pessoa paciente e conhecedora da vida explicou-nos, quando nos reunimos na manhã seguinte no pátio comum onde todos partilhávamos a sentina, que há três verdades e que as coisas não são iguais em todo o lado. Na nossa aldeia (a Verdalheja, do couto da Vermelhusca) há uma verdade, naquela outra aldeia (conhecida por Marinhais Pequenos) existia outra verdade e, vejam lá a capacidade de prevenção do afilhado do senhor Graça, ainda ficava de parte uma outra verdade para quando fosse necessário, se fosse de viagem para outro lado.
Mas isso não é uma espécie de aldrabice ? - perguntou um dos castanhinhos ingénuos da Verdalheja, de olhos muito abertos.
Não, não, disse o pai, aldrabão é quem é castanho nesta aldeia, porque aqui isso é verdade.
Mas lá adiante, depois do rio e por trás das serras, como a verdade é outra, já o aldrabão que aqui seria, lá não é não.
E assim todos nós, os castanhinhos sem padrinhos, aprendemos que a vida pode ser justa ou injusta e que se pode ser aldrabão ou não, tudo depende da posição.
Vitória, vitória, acabou-se a História.»
E assim foi, a miúda adormeceu e sonhou com esses tempos fabulosos em que os animais falavam.
Esopino Lafonteino (contador de fábulas dos tempos em que os animais ainda não falavam, ups)
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