Não vale a pena acrescentar nada.
DOIS MUNDOS
Num dos raros momentos de verdade da campanha eleitoral, um duplo retrato de tudo, de Portugal, dos políticos, da televisão, da imagem, da palavra: Portas, outra vez de “Paulinho das feiras”, visitando o “povo” do alto do seu hábito de pequeno lorde, e Jerónimo de Sousa, comovido com os velhos resistentes de Alpiarça.
No PCP, o nome e a coisa coincidem; no PP, uma representação gera um mundo esquizofrénico. Num caso, populismo forçado, com a hipocrisia estrutural de um mundo pequeno-burguês yuppie, urbano e cínico, a “descer” ao “povo” sob a forma dos feirantes para gerar imagens “sociais” de televisão; no outro, um Portugal em extinção, pesado de memória e abandono, encurralado por tudo e todos, menos pela sua identidade antiga.
A cena de Alpiarça tem qualquer coisa de tragédia clássica, um percurso de sofrimento profundo demais para se bastar apenas nas palavras de revolta. No fundo, ter que dormir uma noite numa oliveira para fugir à PIDE, parece hoje coisa de pouca monta para quem lê sobre todas as desgraças do século num livro. Mas, naquela sala, não se leu, viveu-se, o que faz toda a diferença. E, naquela sala, há uma forma especial de dignidade, que vem de todas as esperanças perdidas, da pobreza, do mundo duro do trabalho, da perplexidade face ao futuro. Aquela gente vem de um mundo que morreu, mas a sua voz faz parte do coro da polis, que já ninguém ouve. Nem nós.
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