«Quando tiverem desaparecido as hortas e quintas que ainda lhe refrescam os subúrbios, roídos já da lepra de alvenaria e pronto invadidos pelos esquadrões cerrados do casario de mau-gosto, em mesquinhos arruamentos que atestam a ausência de sentido urbanista no crescimento da capital - Lisboa ficará sendo o tipo acabado da cidade unhabitável. E o lisboeta, para fugir aos calmores e à crueza da luz estival, terá apenas a magra sombra dos prédios, essa mesma reduzida à estreiteza dos passeios, onde mal há espaço para postes, basbaques e candieiros.
Os nossos jardins, com as suas raras árvores cortadas à escovinha, são exíguos quintais de família. E esses pobres seres tosquiados e atrofiados que se alinham como procissões de asilo ao longo das nossas avenidas, só por metáfora se chamam árvores. Lisboa, capital da caliça, é o paraíso, o logradouro dos contrutores.»
José Rodrigues Miguéis, A Amargura dos Contrastes (Lisboa, O Independente, 2004, p. 61, reedição da crónica original de 25 de Novembro de 1933, no jornal O Globo)
Quem fala da Lisboa de há 70 anos, fala do concelho da Moita dos nossos dias.
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