sábado, junho 25, 2005

O Conhecimento das Coisas

Hoje, talvez devido à manhã cinzenta, sinto-me céptico.
O aparente entusiasmo com que a blogosfera local respondeu à real carência de condições para um debate consequente sobre a revisão do PDM que está em curso desperta-me pensamentos ambíguos.
Por um lado, constata-se que, embora com um peso e um impacto por apurar no contexto da população, existe alguma massa crítica que, mais do que a interesses partidários, se pode mobilizar em torno de interesses comuns transversais.
Por outro, sei da apatia generalizada que marca grande parte da população local e do desinteresse real de muita gente em relação a estes assuntos que nos interessam muito a nós.
Quando os primeiros desvarios urbanísticos a sério começaram em Alhos Vedros inquiri o meu pai sobre o que ele e os seus amigos, todos de uma geração que viveu em Alhos Vedros desde os anos 30/40 pensavam sobre certas aberrações que iam surgindo.
A sua resposta foi esclarecedora: se é certo que alguns não gostavam do que ia aparecendo, a verdade é que a longa sensação de atraso e abandono que se instalara em Alhos Vedros desde meados do século passado fazia com que, qualquer coisa que se fizesse fosse bem-vinda, sem grande avaliação crítica.
O atraso tinha sido responsabilidade da ditadura e agora é que se iria ver como o poder local livre era bom (alguém se lembra da mini-ocupação de terrenos nas Arroteias ? e de outros episódios caricatos ainda da segunda metade dos anos 70 em que alguns arranjaram casinha a baixo custo ?).
O facto de Alhos Vedros ter sido uma terra de excessivas desigualdades, em que a maioria vivia num limiar pouco acima do de pobreza e em habitações com poucas condições e em arruamentos de terra batida e saneamento deficiente baseado nas tradicionais fossas sépticas, fez com que qualquer nova artéria alcatroada, qualquer novo bloco de apartamentos, fossem vistos como progresso. O facto de em Alhos Vedros sempre ter estado envolvida pela Natureza, por quintas, pelo rio, pelas matas e pinhais, pelas salinas, fez com que isso fosse visto como sinónimo do tal atraso e o seu gradual desaparecimento ou degradação não feriu muito a sensibilidade de muitos dos mais velhos que já tinham passado a ganhar a vida na indústria, passando da cortiça para a CUF ou para a Siderurgia ou mesmo a Lisnave.
E foi assim que, durante os anos 80 se lançaram as sementes do erro: Alhos Vedros não perdeu a feição de terra deixada para trás e foi ganhando os restos de uma ideia errada de desenvolvimento na base do casario indistinto, com as novas ruas traçadas ao sabor das conveniências, os loteamentos a surgirem desirmanados e sem qualquer articulação e as infraestruturas urbanas de apoio e/ou de lazer a serem descuradas: o pessoal praticava desporto no CRI, Vinhense (ou no efémero clube de futebol das Morçoas) ou na Velhinha, jogava ping-pong na Academia e na sede do CRI, snooker no café do Júlio ou também na Velhinha, ou limitava-se a jogar à bola nas Figueiras ou na Largada.
E ninguém se ia apercebendo muito da transformação que se ia dando, não necessariamente para melhor, embora à época poucos denunciassem a falta de planeamento ou visão estratégica.
Nos primeiros anos 80, as prioridades eram outras, com a crise económica, os salários em atraso, a incerteza do futuro a curto prazo.
Ninguém se interessava com defesas de património histórico ou natural ou com urbanismo. O que fazia falta era comida na mesa e dinheiro para a renda da casa. Assim Alhos Vedros, cresceu pouco e mal e com pouca capacidade de atracção, perdendo para a Baixa da Banheira quanto ao comércio e para a Moita em termos de centralidade.
Seguiu-se o boom do têxtil, com a Gefa, a Helly-Hansen e a Bore a permitirem o emprego da mão-de-obra feminina e a compensação dos efeitos da crise. E foi então que, em nome do desenvolvimento económico, se permitiram os mais elementares atropelos ao bom-senso e bom-gosto.
Já aqui referi mais de uma vez o ar de incredulidade e incompreensão do então vereador do Urbanismo (então o João de Almeida) quando lhe perguntei (c. 1990) se achava que o que então estava a ser feito não seria mais prejudicial do que benéfico para a terra que também era a dele. Claro que alegou que era necessário ver o emprego e riqueza que estavam a ser gerados e que isso era essencial. E até acredito que estava a veicular aquela que seria a opinião da maioria da população.
Tal como agora, toda esta calendarização manhosa da discussão do PDM, feita com o beneplácito dos herdeiros de João de Almeida no sector do Urbanismo e na Presidência da Câmara, mais não é do que a tradução da consciência do desinteresse da generalidade da população por estas questões, dando-se por adquirido que o PDM é definido centralmente de acordo com os interesses instalados.
O que até parece corresponder à realidade, atendendo à ausência de uma acção consequente da Oposição a este respeito.
Porque, se é verdade que a Situação pode tecer a sua teia para nos enredar, não é menos verdade que cumpre à Oposição desfiá-la e assumir um papel de esclarecimento dos munícipes.
E, do PSD/CDS ao próprio BE, passando pelo caso mais grave do PS, não vemos qualquer tipo de movimentação institucional para trazer este assunto para a Ordem do dia, antes de irmos todos a banhos e passar o prazo legal e ficarem legitimadas as opções feitas por um grupinho de iluminados, que sabem que depois podem sempre alegar que não houve participação popular que contestasse o novo PDM.
E esta demissão da Oposição na discussão séria deste assunto é um mau sinal porque nos pode querer dizer que, fora do discurso confrontacional eleitoralista, as opções não são muito diferentes, apenas variando o ritmo da suburbanização de 3ª categoria a que nos querem votar ou a identidade das clientelas que a executarão. Sabemos no que o PS transformou Setúbal e por onde vai o Barreiro, por isso, o modelo não é muito diferente do que o novo PDM nos trará.
E, até por isso, qualquer discussão do PDM nesses termos só produzirá ruído e recriminações mútuas, que descredibilizarão todo o processo.
Por isso, a nossa intervenção, mesmo que diminuta e apenas inquietadora das consciências, é necessária e deve prosseguir.
Mesmo se - e tenhamos consciência disso - muitas vezes os nossos argumentos continuem a não ser compreensíveis e aceitáveis para muitos e estejamos fadados a enfrentar aquela atitude básica que gosta de acusar os adversários de gostarem mais das árvores do que das pessoas, como se tudo não pudesse coexistir e essa não fosse mesmo a solução ideal.

AV1

Notas finais soltas: Já repararam como o discurso da CMM na área do Urbanismo e Ambiente se tem desviado para as conquistas na área do saneamento básico e o próprio Vereador Rui Garcia (outrora tonitruante contra tudo e mais alguma coisa), agora optou, com aquele vigor retórico dos eleitos, por armar-se em grande defensor da não privatização das águas, como se essa fosse a grande questão do momento ?
Se a questão da água é de decisiva importância, é a qualidade da sua gestão que deve estar em causa e a definição de uma política de não desperdício de água potável, assim como da limitação da impermeabilização dos solos pois se 100% da água do concelho é de origem subterrânea (BM 35, p. 22), deve existir um cuidado extremo em permitir a sua captação em boas condições, reduzindo a poluição dos solos e não facilitando que as águas pluviais sejam desperdiçadas.
Mas, como não sou engenheiro destas áreas, provavelmente tudo isto será uma grande asneira e o betão e o alcatrão sejam a solução.


Adenda final: Existe a proposta de agregarmos os vários fóruns de discussão que estão a nascer sobre a qustão do PDM. Por nós aqui tudo bem. Logo que acertarmos a modalidade, este tipo de textos será passado para o local adeqaudo, apenas se deixando aqui um curto destaque.

Sem comentários: