quarta-feira, junho 22, 2005

Secção Traumas de Infância


Maria Elisa e José Nuno Martins (1975)

Minhas amigas e meus amigos,
É notório que sofro de qualquer distúrbio maior ou menor de personalidade, para aqui confessar em público que tenho vários traumas por resolver desde a minha infância.
Não vou aqui deter-me nas vezes em que me espetaram a nascente masculinidade com o alfinete-de-ama com que que nos "sixtes" se prendiam as fraldas de pano.
Nem irei mesmo efabular sobre a mórbida fixação que, pela mesma época, todas as parentes com mais de uns 50 anos tinham na investigação da minha genitalia. São dores que se sofrem e passam.
Claro que a perdigotagem entusiasmada que me lançaram algumas tias mais desdentadas e salivosas ficou tão marcada na minha suave tez infantil como na minha frágil alma, mas também não é isso que me traz a esta sessão de terapia.
A razão imediata foi a (re)descoberta de um site onde estão abrigadas todas as imagens e palavras da História dos Festivais RTP da Canção, evento iniciado no mesmo ano em que os meus progenitores decidiram chamar-me de Paris via uma cegonha de confiança da família.
Ora bem, desde que tive olhos e ouvidos para absorver a televisão até meados ou quase finais da minha adolescência, fui como os restantes milhões de portugueses, espectador assíduo, por força das circunstâncias e ausência de alternativas, do dito Festival.
Neste post irei apenas fazer uma breve introdução a esse flagelo nacional que ainda assola muitos lares em Portugal, mas que desde finais dos anos 60 até início dos anos 80 teve um impacto desmesurado na nossa sociedade e que, por tabela, quase destruiu muitas sensibilidades então em formação.
Tive a sorte de não assistir ao vivo à mítica Oração de António Calvário, mas já pude ver a Desfolhada da Simone e o Tordo em plena Tourada.
Já de si isso foi mau.
Mas os anos 70 trariam consigo momentos bem mais traumatizantes para alguém a desabrochar para o mundo (eu, é claro).
Fixemo-nos em 1975, ano revolucionário por excelência.
Para começar, e para cortar com a tradição da ditadura, só foram convidados artistas considerados dignos, e então temos imagens de gente como o Jorge Palma e o José Mário Branco a cantar no Festival da Canção, a par de um Carlos Cavalheiro e um Vitor Leitão que não faço a ideia qde quem fossem. A vitória foi para o tenente (capitão ?) Duarte Mendes que depois nos representou gloriosamente na Eurovisão, averbando uns revolucionários 16 pontos e um majestoso 16º lugar.
Para acabar, só entraram na votação os próprios autores das canções a concurso, interrompendo-se aquela mania de ouvir os representantes dos distritos.
À época, e por estranho que pareça, tudo nos pareceu quase normal.
Até o aspecto desgrenhado dos apresentadores (José Nuno Martins e Maria Elisa, na foto).
Mas o mais épico seriam as letras das cantigas a concurso que, repetimos, se destinavam a competir na Eurovisão.
Para não ir mais longe, fico-me pela letra da canção Alerta, da autoria do mítico GAC e interpretada por José Mário Branco. E depois digam-me que um tipo pode crescer sem perturbações graves:

PELO PÃO E PELA PAZ
E PELA NOSSA TERRA
PELA INDEPENDÊNCIA
E PELA LIBERDADE
ALERTA! ALERTA!
ÀS ARMAS! ÀS ARMAS!
ALERTA!
PELO PÃO QUE NOS ROUBA A BURGUESIA
QUE NOS EXPLORA NOS CAMPOS E NAS FÁBRICAS
OPERÁRIOS, CAMPONESES HÃO-DE UM DIA
ARREBATAR O PODER À BURGUESIA
ABAIXO A EXPLORAÇÃO!
PELO PÃO DE CADA DIA!
POIS CLARO!
SÓ TEREMOS A PAZ DEFINITIVA
QUANDO ACABAR A EXPLORAÇÃO CAPITALISTA
CAMARADAS SOLDADOS E MARINHEIROS
LUTEMOS JUNTOS PELA PAZ NO MUNDO INTEIRO
SOLDADOS AO LADO DO POVO!
PELA PAZ NUM MUNDO NOVO!
POIS CLARO!
(REFRÃO)
PELA TERRA QUE NOS ROUBA ESSA CANALHA
DOS MONOPÓLIOS E GRANDES PROPRIETÁRIOS
CAMPONESES, LUTEM P'LA REFORMA AGRÁRIA
P'RA DAR A TERRA ÀQUELE QUE A TRABALHA
REFORMA AGRÁRIA FAREMOS!
A TERRA A QUEM A TRABALHA!
POIS CLARO!
PELA INDEPENDÊNCIA NACIONAL
CONTRA O DOMÍNIO DAS GRANDES POTÊNCIAS
FORA O IMPERIALISMO INTERNACIONAL
QUE TEM NAS MÃOS METADE DE PORTUGAL
ABAIXO O IMPERIALISMO!
INDEPENDÊNCIA NACIONAL!
POIS CLARO!
(REFRÃO)
NÃO HÁ POVO QUE TENHA LIBERDADE
ENQUANTO HOUVER NA SUA TERRA EXPLORAÇÃO
LIBERDADE NÃO SE DÁ SÓ SE CONQUISTA
NÃO HÁ REFORMA BURGUESA QUE RESISTA
DEMOCRACIA POPULAR!
E DITADURA PROLETÁRIA!
POIS CLARO!
.
ÓIÉ !
(isto já sou eu a acrescentar)
AV1

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