Quando me falam em requalificações e quejandos, sobe-me logo a mostarda ao nariz e apetece-me dizer a ess malta que dê uma volta por Alhos Vedros com olhos de ver.
É certo que o núcleo urbano central, mais os seus arrabaldes próximos, para nascente, que se foram unificando (primeiro a zona da Quinta da Bela Rosa, depois as Morçoas), se tornou uma manta de retalhos, com zonas residenciais de qualidade média ou baixa entremeadas com antigas quintas, quintais e hortas, assim como fábricas, fabriquinhas e fabriquetas de cortiça e depois de têxteis.
As zonas de habitação mais popular, criadas em meados do século XX para o proletariado industrial que ia trabalhar para a CUF e não queria ficar-se pelo Lavradio ou ajudar a nascer a Baixa da Banheira, foram promovidas nos anos 40 e 50 pelos proprietários de terrenos baratos que faziam casas à medida das necessidades dos inquilinos, a 10$00 de renda mensal por divisão assoalhada.
Só na Avenida Bela Rosa e num ou outro espaço é que surgiram prédios de rendimento de qualidade menos inferior e já com outros custos, mas sempre sem obedecerem a um plano de expansão urbana muito coerente.
Nos anos 70 e devido à associação entre a inflacção galopante e o congelamento das rendas herdado dos tempos de Salazar, os proprietários destas casas deixaram de ter lucro que justificasse a sua manutenção, enquanto os inquilinos nem sempre dispunham de meios para o fazer, excepção feita à caiadela exterior de Primavera e às limpezas e arejamentos tradicionais. O saneamento básico e o alacatroamento das vias chegou ainda nos anos 70 a muitos destes locais que foram assistindo ao envelhecimento dos residentes. Enquanto os filhos saíam da casa paternal para viverem nos mini-dormitórios à volta (Morçoas, zona norte do Largo do Mercado e Rua António Hipólito da Costa, etc) ou mesmo fora da terra nos anos 80 e início dos 90, o declínio instalou-se e com a doença ou morte de quem as habitava muitas destas casinhas também foram sendo abandonadas, à espera que um PDM amigo permita derrubá-las e aos senhorios/proprietários construir em altura e finalmente recuperar os lucros perdidos.
Ora, na minha simplória opinião, se é verdade que muitas destas cáries (como lhes chamo) já não têm remédio, o mesmo não se dirá do que o futuro pode reservar a estas zonas da freguesia: estão condenadas a ver nascer mais caixotes de apartamentos, cada cor seu paladar, cada gosto, seu feitio ?
Não seria interessante que a ideia de requalificação fomentada pela CMM passasse por mais do que novos passeios e lampiões e avançasse com formas originais de gerir de forma harmoniosa estes espaços tradicionalmente populares sem ser de uma forma agressiva e obediente aos interesses privados ?
Será que não poderia ser por aí que uma verdadeira requalificação da malha urbana deveria passar com o apoio das autarquias locais ?
Fotos: AVP/Brocas
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