sexta-feira, junho 17, 2005

Lixo escondido com o fedor de fora

Duas semanas antes de abrir a Expo98 tive a possibilidade de visitar o espaço, que estava em final de preparativos. Por todo o lado ainda havia entulho e restos das obras amontoados. Quando perguntei a uma pessoa responsável o que seria daquilo, disse-me que iriam estender uns tapetes de relva e que daí a dias nada se veria.
E foi verdade. Dias depois, lá voltei e vi as elevações de terreno verdejante, sob as quais estavam todos os detritos acumulados ao longo de meses.
Já na altura, aquilo me pareceu uma metáfora para o nosso país. Somos os mesmos de sempre, quantas vezes para pior, mas com uma patine de modernidade a tapar os podres e a pobreza (material, espiritual) de sempre. Quando se raspa o verniz, estala tudo à volta e aflora toda a porcaria que sempre cá esteve.
Com tudo o que estes últimos anos nos têm brindado (da pedofilia aos incêndios, das cabalas do Rato à prostituição de Bragança, do papel higiénico dos protestos estudantis às “pensões” dos Ministros, do défice que é o que não é aos referendos que não são o que são, ou vice-versa), parece-me que a patine estalou de vez, a relva secou, e o entulho começa a ficar à mostra.
O nosso país é uma manta de retalhos, em que o século XXI está mal cosido às permanências do Antigo Regime (não só salazarista mas mesmo pré-liberal), a “choldra” de D. Carlos pouco mudou e está pior que governável, porque agora “governa-se”.
Talvez as pessoas que agora vemos a falar na televisão ganhem alguma aura – quiçá dignidade – com o tempo, mas por enquanto são uns simulacros de líderes (políticos, de opinião, culturais, económicos). A sua pequenez é tanto maior quanto mais os comparemos com os seus antecessores, eles próprios muitas vezes longe do desejável.
O “chico-espertismo”, a incompetência arrogante, a ineficácia pomposa, a fácil verborreia vazia de significado, estão entre nós para durar, e não são umas quantas viagens a Paris, Londres, Bruxelas ou Nova Iorque, que fazem desaparecer traços de carácter bem entranhados. Chegámos a um ponto, em que o mais decente é tentar não ter nada a ver com isto e nem vale a pena escapar para outras paragens, porque por lá nos arriscamos a encontrar os “portugueses de sucesso” que mandaram colocar a relva em cima do entulho e se foram embora com o dinheiro da empreitada da sua remoção.

AV1
(Escrito originalmente em Outubro/03 para outro blog, agora apenas com um retoque e um ou outro ligeiro acrescento de meia dúzia de palavras. Atenção que, quando da redacção do último parágrafo. ainda não tínhamos exportado o Barroso e o Guterres.)

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