terça-feira, junho 21, 2005

Mais do mesmo... II

Outro debate recorrente é o da insegurança.
De tantos em tantos anos, em particular na altura do Verão, lá volta com mais força o tema.
E, confessemo-lo, de cada vez com mais razão de ser e com maior atraso nas soluções possíveis para o problema.
Não sou dos que defende a repressão pura e dura sem atentar às causas do fenómeno.
Mas também não sou dos que desculpam os atentados à integridade física e aos bens dos outros apenas pelo contexto social.
Por fim, não sou dos que tentam sacudir o assunto para uma qualquer instituição mais à mão: a Polícia e a sua ineficácia ou a Escola e a sua incapacidade para formatar os indivíduos para uma vida pacífica em sociedade.
Vamos entender duas ou três coisas básicas e que me parecem óbvias:

1) Os contextos socio-económicos de miséria e exclusão são naturais viveiros de comportamentos de contestação ao modelo de sociedade que cria essa mesma miséria e exclusão. Nada mais natural do que contestar o que provoca uma situação de desvantagem. No entanto, não explicam tudo.

2) Na nossa sociedade, teoricamente multiracial e de brandos costumes, formaram-se com naturalidade núcleos de resistência cultural em determinadas comunidades imigrantes, os quais apresentam diversos níveis de agressividade. Isto não é nada de estranhar e é comum em sociedades de acolhimento - veja-se o caso dos EUA e as formas de organização solidária de comunidades como a italiana, a irlandesa ou mesmo a latino-americana. Muitas vezes esses laços pretendem apenas preservar a memória da terra~mãe, enquanto em outros se tornam contra-culturas com uma feição mais ou menos marginal e criminosa, mesmo.

3) A integração das comunidades de imigrantes - em especial num país de emigrantes como o nosso - não pode passar pela aculturação forçada das novas gerações de descendentes de outras culturas, nomeadamente africanas. Por isso, se é legítimo exigir que os imigrantes cumpram os deveres de cidadania inerentes a uma vida colectiva pacífica e tolerante, também se lhes deve permitir o direito de4 expressarem a sua diferença, desde que de forma não agressiva para os outros.

4) Sendo necessária uma rápida acção de represssão quando se verificam fenómenos de perturbação da oprdem pública, em especial os que manifestam um grau de organização já elevado, a principal acção deve estar a montante desses fenómenos, ou seja, agindo de forma a não dar pretextos fáceis para se justificarem acções disruptivas. Traduzindo por miúdos: a sociedade deve organizar-se de forma a permitir a todos um nível mínimo de vida que não justifique acções de "vingança" ou "desforra" por parte dos que se consideram discriminados e despojados dos bens a que se acham com direito. Claro que essa percepção é subjectiva, mas numa sociedade sem desigualdades gritantes, é mais fácil atenuar determinados comportamentos.

5) Deve evitar-se, em especial por parte dos teóricos das teorias da "reprodução da desigualdade", o discurso de acusação à Escola por não fazer o enquadramento necessários de todos os indivíduos que por lá passam. Nada mais divertido (no mau sentido) do que ouvir ou ler aqueles que acham que a Escola é um mecanismo formatador das consciências e comportamentos e reprodutor das desigualdades sociais, lamentarem-se porque a Escola não formatou suficientemente os indivíduos para eles não adoptarem comportamentos de contestação agressiva. Não há político demagogo ou sociólogo de pacotilha de Esquerda que não venha com esse tipo de ladaínha que atribui à falta de sucesso na escola o desenquadramento social.
Meus amigos, se calhar a coisa é ao contrário... Se os miúdos tiverem uma habitação decente num bairro com condições mínimas, se os pais trabalharem em condições legais com salários capazes de suprir as necessidades essenciais e um pouco mais, se tiverem estruturas formais que enquadrem positivamente a manifestação da sua diferença cultural, talvez sejam menos frequentes episódios de evidente quebra de coesão social. Não é porque na Escola tiveram duas ou três negativas que desatam a partir tudo à volta.

6) Em vez de brandirmos com estatísticas (a la Jorge Coelho na Quadratura do Círculo) sobre o quão boa é a integração social em Portugal (é verdade que ainda não atingimos o clima de guerra social latente dos subúrbios franceses ou a vaga de neonazismo da Alemanha), em vez mesmo de debatermos muito as teorias em voga há 30 anos sobre os efeitos da desigualdade social, talvez fosse melhor olhar para as condições em que vivem muitas comunidades de imigrantes e lembrarmo-nos que não as devemos tratar como o fizeram com os nossos emigrantes. Como familiar de emigrantes na França, Alemanha, EUA e Canadá (pelo menos) ouvi suficientes histórias de discriminação e humilhação para as querer reproduzir na minha terra.

7) Evitem-se, por favor os chavões fáceis. Apesar do que escrevi, não acho que a pobreza implica uma propensão para o crime (isso foi moda entre os patologistas sociais de há 100 e mais anos), porque se assim fosse não existiriam crimes de colarinho branco. Se é verdade que se deve erradicar a miséria da nossa sociedade como forma de a defender de alguns ataques, não é menos verdade que deve ser pela demonstração das vantagens da vida em comum, respeitando a liberdade dos outros e o direito de expressão de todos, que também passa a resolução de uma parte do problema. Se os exemplos de desonestidade, de logro, de falta à verdade, de maledicência institucional, de encobrimento sistemático de actos contrários à lei, de incumprimento da palavra dada, de fintas à Justiça com base em artifícios técnico-jurídicos, de impunidade perante actos clamorosamente negligentes e/ou dolosos, continuarem a partir de cima e dos que aparentam "sucesso", dificilmente os que estão em baixo encontrarão razões para adoptar condutas que só podem associar à falta desse sucesso.

AV1

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