O Desenvolvimento
Esta era uma daquelas promessas que quem fez o 25 de Abril podia proclamar, mas que talvez se tenha revelado a mais difícil de concretizar, tanto porque não dependia exclusivamente de nós, nem da nossa vontade, como porque implicava um bocadinho de competência e sentido do interesse comum, de interesse colectivo, coisa que nos falta em grande. Os tempos eram difíceis, por causa do choque petrolífero de 73, mas a sanha anti-capitalista e anti-monopolista que bateu forte, fortemente durante o PREC também não ajudou.
Isso e algumas experiências colectivistas, que de colectivistas tinham a ingenuidade de muitos e a esperteza de uns quantos que assim se governaram.
E depois, com a desculpa dos desmandos anteriores, tivemos direito a 30 anos de desculpas esfarrapadas para justificar que o barco não ande mais depressa.
É verdade que, em termos absolutos, estamos muitos mais desenvolvidos agora do que há 32 anos, de acordo com quase todos os critérios económicos que se possam usar e mesmo outros.
Só que a quantidade nem sempre significa qualidade e o avanço em termos absolutos não esconde que, em termos relativos, continuamos os parentes pobres da Europa Ocidental.
Muita prosperidade balofa, muito novo-riquismo obtido à custa de subsídios e negociatas, muita ostentação por uns quantos, enquanto o resto vive já não do fiado e do rol na mercearia mas do crédito bancário.
Antes comparava-se a televisão a prestações, agora compra-se o plasma a crédito. Muda o nome, mas o resultado é o mesmo.
Antes pagava-se renda ao senhorio.
Agora paga-se ao banco.
Antes esperava-se para comprar um Mini, um Simca, um Datsun 100, um Fiat 127 ou 128, um Renault 4 ou 5, ou aguentava-se um carocha já com uns anitos.
Agora compra-se logo o Golf Tdi e fica-se uma série de anos à espera que seja nosso.
O Desenvolvimento pouco passa da superfície.
Temos muitos hipermercados e centros comerciais, mais estradas e casario, especulação na bolsa e OPA's do último modelo, vamos ter mesmo mais um aeroporto e um comboio-foguete, ganhámos mais uma ponte em Lisboa e um par delas no Porto, não esquecendo uma dezena de estádios novos, mas também ficámos com centros históricos em ruína, praticamente sem agricultura e pescas, com uma indústria de rastos, subemprego crónico, pontes a cair e terreolas sem a escola ou o Posto de Saúde que tanto tinha custado a conseguir.
Desenvolvimento ?
Talvez, mas não foi sustentado, como é tradição nos nossos 900 anos de História, nem será sustentável manter este modelo, sem que a manta se rompa de tanto se esticar ora para a cabeça, ora para os pés.
Já não somos coitadinhos por vivermos com uma ditadura anacrónica e repressiva, incapaz de gerar desenvolvimento, dizia-se e ainda há quem diga.
Agora somos coitadinhos porque cada vez somos mais obrigados a conviver com a nossa própria incapacidade para funcionarmos como um projecto nacional coerente e uno.
Cada um se governa como pode, com a justificação que os outros fazem o mesmo, que o Estado é ladrão, que o Poder Central não cumpre ou que a Constituição é má.
Quase todos têm uma desculpa.
Mas se cada um conseguisse encontrar um mínimo ético lá no fundinho de si e se a maioria se preocupasse em empurrar o barco na mesma direcção, talvez tivéssemos hipóteses de deixarmos de ser 'tadinhos.
Desta forma, resta-nos a construção civil no Canadá - enquanto eles não nos mandam para a rua -, a servidão disfarçada na Holanda ou a discriminação envergonhada no Luxemburgo.
Isso e o aluguer do nosso país para eventos internacionais na época baixa ou da costa para baixo do Cabo da Roca a ingleses, alemães e escandinavos, na época alta, esperando que eles sejam generosos na gorjeta.
Pessimista, eu ?
Não, pelo contrário, pois até acho que sou bastante optimista.
AV1 (com cartoon de Ferraz no jornal humorístico Os Ridículos de 27 de Julho de 1974)
Esta era uma daquelas promessas que quem fez o 25 de Abril podia proclamar, mas que talvez se tenha revelado a mais difícil de concretizar, tanto porque não dependia exclusivamente de nós, nem da nossa vontade, como porque implicava um bocadinho de competência e sentido do interesse comum, de interesse colectivo, coisa que nos falta em grande. Os tempos eram difíceis, por causa do choque petrolífero de 73, mas a sanha anti-capitalista e anti-monopolista que bateu forte, fortemente durante o PREC também não ajudou.
Isso e algumas experiências colectivistas, que de colectivistas tinham a ingenuidade de muitos e a esperteza de uns quantos que assim se governaram.
E depois, com a desculpa dos desmandos anteriores, tivemos direito a 30 anos de desculpas esfarrapadas para justificar que o barco não ande mais depressa.
É verdade que, em termos absolutos, estamos muitos mais desenvolvidos agora do que há 32 anos, de acordo com quase todos os critérios económicos que se possam usar e mesmo outros.
Só que a quantidade nem sempre significa qualidade e o avanço em termos absolutos não esconde que, em termos relativos, continuamos os parentes pobres da Europa Ocidental.
Muita prosperidade balofa, muito novo-riquismo obtido à custa de subsídios e negociatas, muita ostentação por uns quantos, enquanto o resto vive já não do fiado e do rol na mercearia mas do crédito bancário.
Antes comparava-se a televisão a prestações, agora compra-se o plasma a crédito. Muda o nome, mas o resultado é o mesmo.
Antes pagava-se renda ao senhorio.
Agora paga-se ao banco.
Antes esperava-se para comprar um Mini, um Simca, um Datsun 100, um Fiat 127 ou 128, um Renault 4 ou 5, ou aguentava-se um carocha já com uns anitos.
Agora compra-se logo o Golf Tdi e fica-se uma série de anos à espera que seja nosso.
O Desenvolvimento pouco passa da superfície.
Temos muitos hipermercados e centros comerciais, mais estradas e casario, especulação na bolsa e OPA's do último modelo, vamos ter mesmo mais um aeroporto e um comboio-foguete, ganhámos mais uma ponte em Lisboa e um par delas no Porto, não esquecendo uma dezena de estádios novos, mas também ficámos com centros históricos em ruína, praticamente sem agricultura e pescas, com uma indústria de rastos, subemprego crónico, pontes a cair e terreolas sem a escola ou o Posto de Saúde que tanto tinha custado a conseguir.
Desenvolvimento ?
Talvez, mas não foi sustentado, como é tradição nos nossos 900 anos de História, nem será sustentável manter este modelo, sem que a manta se rompa de tanto se esticar ora para a cabeça, ora para os pés.
Já não somos coitadinhos por vivermos com uma ditadura anacrónica e repressiva, incapaz de gerar desenvolvimento, dizia-se e ainda há quem diga.
Agora somos coitadinhos porque cada vez somos mais obrigados a conviver com a nossa própria incapacidade para funcionarmos como um projecto nacional coerente e uno.
Cada um se governa como pode, com a justificação que os outros fazem o mesmo, que o Estado é ladrão, que o Poder Central não cumpre ou que a Constituição é má.
Quase todos têm uma desculpa.
Mas se cada um conseguisse encontrar um mínimo ético lá no fundinho de si e se a maioria se preocupasse em empurrar o barco na mesma direcção, talvez tivéssemos hipóteses de deixarmos de ser 'tadinhos.
Desta forma, resta-nos a construção civil no Canadá - enquanto eles não nos mandam para a rua -, a servidão disfarçada na Holanda ou a discriminação envergonhada no Luxemburgo.
Isso e o aluguer do nosso país para eventos internacionais na época baixa ou da costa para baixo do Cabo da Roca a ingleses, alemães e escandinavos, na época alta, esperando que eles sejam generosos na gorjeta.
Pessimista, eu ?
Não, pelo contrário, pois até acho que sou bastante optimista.
AV1 (com cartoon de Ferraz no jornal humorístico Os Ridículos de 27 de Julho de 1974)
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