quinta-feira, abril 20, 2006

O 25 de Abril contado às crianças III

O Desenvolvimento

Esta era uma daquelas promessas que quem fez o 25 de Abril podia proclamar, mas que talvez se tenha revelado a mais difícil de concretizar, tanto porque não dependia exclusivamente de nós, nem da nossa vontade, como porque implicava um bocadinho de competência e sentido do interesse comum, de interesse colectivo, coisa que nos falta em grande. Os tempos eram difíceis, por causa do choque petrolífero de 73, mas a sanha anti-capitalista e anti-monopolista que bateu forte, fortemente durante o PREC também não ajudou.
Isso e algumas experiências colectivistas, que de colectivistas tinham a ingenuidade de muitos e a esperteza de uns quantos que assim se governaram.
E depois, com a desculpa dos desmandos anteriores, tivemos direito a 30 anos de desculpas esfarrapadas para justificar que o barco não ande mais depressa.
É verdade que, em termos absolutos, estamos muitos mais desenvolvidos agora do que há 32 anos, de acordo com quase todos os critérios económicos que se possam usar e mesmo outros.
Só que a quantidade nem sempre significa qualidade e o avanço em termos absolutos não esconde que, em termos relativos, continuamos os parentes pobres da Europa Ocidental.
Muita prosperidade balofa, muito novo-riquismo obtido à custa de subsídios e negociatas, muita ostentação por uns quantos, enquanto o resto vive já não do fiado e do rol na mercearia mas do crédito bancário.
Antes comparava-se a televisão a prestações, agora compra-se o plasma a crédito. Muda o nome, mas o resultado é o mesmo.
Antes pagava-se renda ao senhorio.
Agora paga-se ao banco.
Antes esperava-se para comprar um Mini, um Simca, um Datsun 100, um Fiat 127 ou 128, um Renault 4 ou 5, ou aguentava-se um carocha já com uns anitos.
Agora compra-se logo o Golf Tdi e fica-se uma série de anos à espera que seja nosso.
O Desenvolvimento pouco passa da superfície.
Temos muitos hipermercados e centros comerciais, mais estradas e casario, especulação na bolsa e OPA's do último modelo, vamos ter mesmo mais um aeroporto e um comboio-foguete, ganhámos mais uma ponte em Lisboa e um par delas no Porto, não esquecendo uma dezena de estádios novos, mas também ficámos com centros históricos em ruína, praticamente sem agricultura e pescas, com uma indústria de rastos, subemprego crónico, pontes a cair e terreolas sem a escola ou o Posto de Saúde que tanto tinha custado a conseguir.
Desenvolvimento ?
Talvez, mas não foi sustentado, como é tradição nos nossos 900 anos de História, nem será sustentável manter este modelo, sem que a manta se rompa de tanto se esticar ora para a cabeça, ora para os pés.
Já não somos coitadinhos por vivermos com uma ditadura anacrónica e repressiva, incapaz de gerar desenvolvimento, dizia-se e ainda há quem diga.
Agora somos coitadinhos porque cada vez somos mais obrigados a conviver com a nossa própria incapacidade para funcionarmos como um projecto nacional coerente e uno.
Cada um se governa como pode, com a justificação que os outros fazem o mesmo, que o Estado é ladrão, que o Poder Central não cumpre ou que a Constituição é má.
Quase todos têm uma desculpa.
Mas se cada um conseguisse encontrar um mínimo ético lá no fundinho de si e se a maioria se preocupasse em empurrar o barco na mesma direcção, talvez tivéssemos hipóteses de deixarmos de ser 'tadinhos.
Desta forma, resta-nos a construção civil no Canadá - enquanto eles não nos mandam para a rua -, a servidão disfarçada na Holanda ou a discriminação envergonhada no Luxemburgo.
Isso e o aluguer do nosso país para eventos internacionais na época baixa ou da costa para baixo do Cabo da Roca a ingleses, alemães e escandinavos, na época alta, esperando que eles sejam generosos na gorjeta.
Pessimista, eu ?
Não, pelo contrário, pois até acho que sou bastante optimista.

AV1 (com cartoon de Ferraz no jornal humorístico Os Ridículos de 27 de Julho de 1974)

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