sábado, abril 30, 2005

Bloguices II


Pat Oliphant (já o tínhamos usado antes, mas fica mesmo bem aqui...)

2.
As limitações e perigos dos blogs são simétricos das vantagens e representam a sempre presente outra face da moeda. No entanto, e se pensarmos bem, não são muito diferentes do que apresentam os outros meios de circulação da informação.
Para começar, e lá por apontarmos estes perigos, isso não significa que aqui em casa nunca tenhamos incorrido em deslizes ou que tenhamos sido sempre o mais correctos e “santinhos”. A bem dizer, nem pretendemos tal. Aprofundaremos este tema mais tarde mas, desde já, assumimos que parte do gozo que deu o nascimento e primeiros tempos do AVP foi fruir a liberdade de escrever tudo (ou quase...) o que bem nos apeteceu.
Mas voltando ao que interessa.
Foquemo-nos em três problemas que estão bem interligados, mas que separaremos aqui por comodidade analítica:

a) Meio para a difusão global de informação errada , destinada a induzir em erro ou deficientemente verificada. Não é que este não seja um perigo presente nos meios de comunicação social tradicionais, conforme é possível provar com as inúmeras histórias que existem de distorção no relato dos factos, na selecção e/ou omissão da informação, quando não mesmo da sua fraude completa, mas os blogs podem um efeito multiplicador, pela repetição, de informações “fabricadas” ou apenas recolhidas em fontes erradas ou mal escrutinadas. Neste particular, repare-se como boa parte do mundo político aderiu à moda dos blogs em proveito pessoal, como veículos privilegiados para a propagação das suas posições pessoais ou de grupo, quase sempre com posições de “combate” claramente ao serviço de propósitos bem distantes dos desejos de objectividade.

b) Ampliação de boatos e acusações difamatórias, a coberto do anonimato e impunidade. Outro perigo evidente, pois a despersonalização e o anonimato permitido pelos blogs encoraja, pela aparente dificuldade de identificar os responsáveis, a divulgação do bom e velho boato. No entanto, é esse mesmo anonimato que permite a divulgação de informações “boas” por parte de quem, de outra forma, correria perigo se fosse reconhecido. Para além de que, em muitos casos, os meios de comunicação social tradicionais também ampliaram boatos e, já na idade da blogosfera, desculpando-se com os próprios blogs. Aqui, como sempre, a filtragem e crítica da informação ou opinião pela sua audiência é essencial. Voltaremos a este ponto, a propósito da circulação do episódio do boato sobre José Sócrates no AVP.

c) Ausência de um código ético na blogosfera. Como é óbvio, surgindo da forma como surgiu, a blogosfera não obedece – felizmente – a directrizes uniformes ou coerentes, ditadas por qualquer autoridade central ou unificadora. A “ética” é a de cada um e nem sempre será a mais apurada mas, admitamo-lo, se assim não fosse a coisa não tinha a metade do interesse. Os esforços por criar códigos de conduta na blogosfera são, para bom entendor, meias palavras para formatar o seu espírito, liberdade e criatividade, em particular quando estão em causa meras questões de gosto ou o desejo de fazer os blogs à imagem das colunas de opinião/crónica/comentário da imprensa. Também aqui são os leitores que têm a última palavra e devem ser eles a fazer o seu próprio juízo.

Os custos/perigos enumerados são, contudo, minimizáveis e o preço (acho que razoável) a pagar por um espaço de liberdade (quase) total. Muitos dos ataques dirigidos aos blogs, apelidando muitos dos seus autores de irresponsáveis, cobardes, mal-informados, manipuladores, de mau gosto, etc, etc, são quantas vezes peças de uma estratégia destinada a denegrir um adversário novo na luta pelo controle da informação e opinião, ou para o formatar de acordo com os moldes convencionais e tidos por aceitáveis.
Sempre que surge um meio novo de circulação da informação – desde a invenção da imprensa, para não ir mais longe – levantam-se as vozes com anúncios de calamidades sem fim, de possibilidades de manipulação e mau uso (o mesmo se passou, à vez, com a rádio, o cinema, a televisão, a própria internet), que mais não passam do que de falsos profetas da desgraça tantas vezes interessados em defender os feudos instalados e em atrair para o seu redil quem procura escapar à formatação.
E é verdade que, muitas vezes, essa sedução funciona e a atracção é conseguida.
Porquê ?
Porque, em boa verdade, muitos bloggers não passam de malta que se sentia “de fora” e mais do que criar uma alternativa, está interessada em passar “para dentro”. Veja-se, neste particular, como entre nós o Expresso arregimentou para uns cantos de página dois dos bloggers nacionais aparentemente mais desalinhados (Daniel Oliveira e João Pereira Coutinho), deu-lhes umas centenas de caracteres para encher e eles ficaram felizes e cordatos.
Ou então veja-se como, apesar de se dizer que os blogs permitem audiências potencialmente inigualáveis, alguns dos seus autores correm logo que se lhes acena com a hipótese de um livrinho em papel impresso, com tanta maior velocidade e vontade quanto era aparente o seu carácter “radical” e “contestatário” (Barnabé, Acidental).
Para mim, os perigos da formatação e adesão (disfarçada, camuflada, progressiva) ao mainstream indiferenciado e respeitoso dos bons costumes são bem mais insidiosos do que toda a “selvajaria” que possa caracterizar o mundo bloguístico.

Adenda: Eis alguns links (do Accuracy in Media, do Media Matters e do Spinwatch), sobre o recente escândalo das reportagens fícticias nos EUA, em que órgãos de comunicação social divulgaram "peças jornalísticas" produzidas por agências estatais.
Memorável ainda o sketch no Daily Show da Comedy Central sobre o assunto, que passou na SIC-Radical esta semana.

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