terça-feira, abril 26, 2005

O 25 de Abril - As Memórias

Ainda me lembro dessa manhã, há 31 anos, em que retiraram a moldura com a fotografia do ex-Presidente do Conselho ladeada que estava pelas fotografias de Marcelo Caetano e Américo Tomás na escola pública quefrequentava.
Mandaram-nos cedo para casa porque as informaçoes ainda não eram muitas. Houve alguma parcimónia no final dessa manhã mas à tarde já estávamos a fazer o que sabíamos melhor. Jogar à bola.
A Cuf estava na 1° divisão e o Barreirense no sobe e desce. Mas, o Benfica e o Sporting é que contavam, o resto era só paisagem. No entanto, dado o carácter disciplinador da minha querida mãezinha não me safei aos trabalhos de casa, e se a professora não tivesse marcado nada, arranjava-se sempre uma cópiazinha e duas ou três divisões daquelas com números decimais seguido das respectivas provas.
É que o exame da 4ª classe estava aí à porta. E como se recordarão os mais velhos aqueles livros obrigavam as meninges a exercitarem-se com os nomes dos rios, serras,províncias ultramarinas, as séries dinásticas da realeza portuguesa e a infindável parafernália de reduções, provas dos nove, reais e sei lá que mais.Não eram os boatos sucessivos nem sequer o regresso dos exilados de renome que me preocupavam no início do Verão desse ano mas sim a melhor forma de ser aceitena equipa que ia „roubar lenha“ nos quarteirões circundantes. A nossa fogueira tinha que ser a maior de todas!.
E no intervalo, das intermináveis futeboladas contra a „malta lá de baixo“ que ganhávamos quase sempre, ainda tínhamos que fazer os cartuchos, recorrendo às Corin Tellados que já se tinham democratizado, para a guerra de canudos nas ruínas das „casas velhas“. Os mais velhos, no início da puberdade, alimentavam as suas pulsões sexuais com as Ginas e Lolas que de repente apareceram por todo olado.
Nós, os mais novos, achávamos aquilo uma chachada e queríamos mesmo era jogar às sargetas ou fazer parte da equipa dos mais velhos que iam caçar pardais para vender na barraquinha dos comes e bebes.
Os longos períodos a seguir ao almoço, irremediavelmente „a fazer a digestão“, eram passados a ler Mundos de Aventuras, Enid‘s Blyton, Salgari‘s e um ou outro Jules Verne. Ao cair da noite, às escondidas, iamos colar cartazes dos mais variados partidos para no dia seguinte, invariavelmente, irmos ouvir o que o Tó Coxo, de todos o mais esclarecidopolíticamente, dizia sobre o Ti Pedro, o jardineiro, que afinal era informador da Pide e dos inúmeros inimigos da revolução e da classe operária que se escondiam na maioria daquelas 3 assoalhadas daquela zona ...
No intervalo dessas sessoes de esclarecimento iamos jogar aos cantos para o portão da fábrica da cortiça e o Tó Coxo era quase sempre o guarda redes.
E podia defender com as muletas...
Eu e o Patilhas é que não gostávamos de muitas confusões e quando a malta era muita iamos para o portão de baixo treinar para, quando fóssemos grandes, não lhes dar as mínimas hipóteses. Até ao dia em que o Patilhas, num dos seus famosos estoiros , partiu o braço dum tenrinho de que já nao me lembro o nome.
Os Pais, esses, nunca mais deixaram o Patilhas vir brincar para a rua e eu perdi aquele que me podia continuar a ensinar as primeiras fintas à séria ...Mesmo na esquina da rua transversal à minha abriu a sede do PRP/BR, o verdadeiro partido das massas operárias.
Os seus membros, um deles era (e é) casado com uma prima minha pagavam-nos uns gelados daqueles de gelo e corante e nós toca de colar cartazes a apelar à luta armada e à tomada do poder pelo Povo. O Tó Coxo era mais UDP mas, como o PRP/BR, culpava o PCP pelo rumo dos acontecimentos. À tardinha, iamos para o Parque jogar ao „espeta“, às covinhas (não gostava muito porque os mais velhos abafavam-me sempre os melhores papas que conseguia ganhar aos domingos quando ia esperar os pombos para o pé do quartel dos bombeiros do Barreiro ) e ao „lá vai alho“ até que a chegada dos vauxhall‘s, fiat‘s 124, opel‘s rekord, e ford’s capri dos nossos pais nos obrigassem a dar uma corrida por aquelas calçadas, onde ainda tinhamos presente o troar do galope dos cavalos da GNR, para ter tempo de lavar os pés e as mãos antes de nos sentarmos à mesa para jantar ...
Com os melhores cumprimentos

Lâmina

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