sábado, junho 04, 2005

A Biblioteca



«A Primavera torna-nos buliçosos. Apetece-nos percorrer o país. Os campos estão verdes e floridos e a água transborda dos ribeiros. Procuramos os bons restaurantes da província sob o pretexto de ir às feiras ou em visita a parentes afastados. E pelo caminho sobe-se aos miradouros. Uma capela, um cruzeiro, uma mesa de pedra, uma nascente e uma imensidão de território com o mar ao fundo. Gostamos desta terra que desde sempre escolhemos para ser a nossa terra. Pelo caminho revisitamos velhas catedrais e saboreamos o seu silêncio de cera e pó antigo que as rosáceas alumiam.
Por isso nos irritamos com a selvajaria que vem tomando conta de alguns centros históricos. As nossas cidades estão a ser assaltadas por um bando de Hunos que a troco do vil metal vendem a alma ao diabo. Não é apocalíptico dizer que em Portugal se estão a cometer crimes de lesa-cultura de uma brutal insensibilidade.
(...)
Há sempre um doutor na Câmara que se encontra cada vez mais com um senhor construtor civil, que por acaso é casado com a filha de um distribuidor de mercearia que até já dizem ser o mais rico da região e que agora já não está interessado em acções da Torralta, porque agora o que está a dar é investir na sua terra e por isso comprou um velho palácio...»
Manuel Hermínio Monteiro, K nº 8 de Maio de 1991, reeditado no volume Urzes (Lisboa, 2004, pp. 152-153)

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