«A apresenta uma opinião, enquanto B pensa na que irá injectar logo que possa, de forma decente. Isto é uma troca no sentido em que “trocamos” saudações: oferecemos uma fórmula e é-nos oferecida outra, mas geralmente vamo-nos embora com a nossa.»
J. Barzun, The House of Intelect, p. 63.
Em 1959, Jacques Barzun ocuparia boa parte de um dos capítulos da sua obra The House of Intelect lamentando o declínio da conversa como forma privilegiada para o debate de ideias e para o exercício produtivo das nossas capacidades intelectuais. Segundo ele o hábito de conversar intelectualmente desapareceu quase por completo na sociedade ocidental. Em vez de construirmos uma conversa, articulando o nosso raciocínio no dos nossos interlocutores, analisando argumentos, avançando para novas ideias, limitamo-nos a "trocar ideias", no sentido comercial do termo. Toma lá a minha opinião, dá cá a tua, e pronto, já está, ficamos à mesma na nossa e tudo fica na mesma.
Realmente, embora escrito há quase 50 anos, isto retrata a actualidade da nossa vida intelectual e política (pois, porque já houve tempo em que a política estava ligada a sério à intelectualidade) de forma atrozmente rigorosa. Ninguém está para pensar sobre o que os outros dizem. Apenas se aceita ou recusa, ponto final, sem mais elaboração, conforme os alinhamentos e conveniências de ocasião. E quando as ideias diferem, o mais habitual é uma de duas soluções, ou ignorar as opiniões adversas ou então atacá-las como ofensivas sem discutir os seus argumentos. Agora discutir ideias, analisá-las, aperfeiçoá-las, modificá-las perante os outros, isso é que não porque parece ser sinal de fraqueza das nossas próprias convicções ou crenças.
Esta atitude traduz-se, na prática, numa crescente esterilidade do que passam por ser os “debates” de ideias no nosso país da vida política à académica mas passando por quase todos os aspectos da nossa sociedade. Os danos que este autismo traz manifestam-se, em minha opinião, quer na incapacidade de conjugar esforços para ultrapassar causas que poderiam ser comuns, quer numa agressividade vazia do discurso político.
Esta agressividade é o reverso da atitude que postula o silêncio sobre a “concorrência” como forma de a tornar invisível. Neste caso, os exemplos são muito fáceis de encontrar, desde os casos em que os responsáveis políticos (locais, nacionais) se limitam a atacar as propostas alheias, por serem alheias, procurando desacreditá-las por todos os meios,
Na verdade, aquilo a que se procura fugir é a um verdadeiro confronto de ideias, ao debate em torno de concepções diferentes sobre um mesmo fenómeno ou assunto e a uma eventual reavaliação das nossas próprias convicções perante o seu confronto com outras alternativas, em resumo, é a fuga exactamente ao que devia constituir o cerne do trabalho intelectual/político.
O contraditório não é necessariamente uma ameaça, mas antes um mecanismo indispensável para o progresso. Infelizmente, tanto a agressividade crítica não fundamentada como o ignorar ostensivo das vozes discordantes, só agravam o isolamento paroquial a que os políticos se têm vindo a votar relativamente aos cidadãos, em especial quando recorrem às mais elaboradas construções teóricas para esconder o vazio do conteúdo do seu próprio discurso.
Aliás, talvez a decadência actual do debate de ideias seja consequência directa e inevitável desse mesmo vazio.
AV1
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