terça-feira, junho 07, 2005

Libertário, Moi ?

No teste que fiz recentemente para perceber o meu posicionamento político, e para os que se lembram, fiquei situado bem perto do canto dos libertários de esquerda, onde normalmente gostam de incluir o Ghandi, o Dalai-Lama ou até o Mandela. Até houve quem dissesse que eu era é libertino e não libertário.
Ora, e para meu espanto, neste tipo de testes, fico sempre normalmente mais à esquerda do que toda a gente que conheço, incluindo o meu colega co-editor que se afirma como um libertário anarquista ou amigos meus claramente situados à esquerda no nosso espectro político.
Somando isto ao facto de ser tido como um empedernido reaccionário e um conservador elitista por vários conhecidos que comigo embirram (e aqui incluo ocasionais visitantes do AVP), fiquei com graves dilemas de esquizofrenia ideológica, para acrescentar ao estado de desarranjo mental habitual.
Dediquei-me então a descobrir a raíz do paradoxo de me posicionar na esquerda baixa de acordo com os parâmetros dos testes políticos e na direita alta para os que me observam de fora.
E acho que encontrei a razão para isso.
Vamos por partes.
Normalmente, o nosso posicionamento em relação à dicotomia direita/esquerda passa por um conjunto de posições perante determinados aspectos estruturantes da sociedade, que para mim são os seguintes:

a) Função do Estado.
b) Organização Económica.
c) Segurança e Ordem Pública.
d) Direitos Sociais e Modos de Vida.

Ora nestes aspectos, eu dificilmente posso ser incluído na esquerda ou na direita nos três primeiros: sou muito céptico em relação à capacidade do Estado intervir eficazmente na sociedade, mas acho impensável que ele se demita de um forte papel regulador em países como o nosso; sou favorável à economia de mercado e à iniciativa privada, mas com um papel fiscalizador do Estado que permita corrigir as impurezas do capitalismo selvagem; embora desconfie de todo o tipo de mecanismos policiais repressivos, acho que a ordem e a disciplina são valores fundamentais a preservar.
Onde eu viro claramente à esquerda e ultrapasso quase toda a gente em matéria de defesa das liberdades individuais – sou um individualista feroz que gosta de trabalhar em grupo, desde que cada um faça o seu papel – é no capítulo dos direitos sociais e da tolerância para com modos de vida alternativos ao meu.
Ora vejamos o que acho das chamadas questões civilizacionais, ou fracturantes:

a) Aborto – Sou favorável à despenalização até às 10-12 semanas nos termos actualmente em vigor, ou até prazos mais alargados por questões de preservação da vida da mãe ou de graves malformações do feto. Tenho dificuldade em definir prazos sem um esclarecimento científico credível.
b) Drogas leves e duras – A favor da despenalização do consumo das leves, desde que a malta do Bloco de Esquerda deixe os filhos fumar a erva em casa e não à minha porta, porque depois se põem a rir muito, a cuspir para o chão e a dizer disparates. Contra a descriminalização das duras. Fortemente a favor da repressão do tráfico.
c) Educação Sexual nas Escolas – Completamente a favor, embora ache que nem sempre existem os meios humanos disponíveis para a desenvolver com toda a (in)formação necessária. Só esclarecendo é possível evitar muitos problemas posteriores gravíssimos para a saúde pública e para os indivíduos.
d) Eutanásia – Favorável à morte assistida quando esse é o desejo expresso do paciente ou o seu estado de sofrimento extremo é irreversível. Estados de coma profundo em que o paciente não expressou a sua vontade levantam-me problemas quanto ao direito dos familiares tomarem a decisão.
e) Homossexualidade – Nada contra, incluindo o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Dúvidas quanto à questão dos direitos de adopção não por causa de alguma incapacidade intrínseca dos homossexuais para criarem uma criança, mas antes por causa da potencial ignorância e intolerância do ambiente envolvente.
f) Prostituição – Absolutamente a favor da sua legalização como actividade económica, desde que seja exercida como uma profissão equivalente às outras e não como uma imposição de extrema vulnerabilidade económica ou sob coacção.
g) Sexo em geral – Tudo a favor, antes, durante e depois do casamento. Com idade para votar e mais de metade do meu peso (>45 kg), desde que seja voluntariamente, julgo que ninguém deve meter o bedelho.
h) Uniões de Facto – A favor da sua equiparação ao casamento no que se refere a direitos de paternidade e de herança porque envolve terceiros, mas absolutamente contra no que se refere à relação entre o casal. Se é para ser rebelde e contestatário às normas e convenções da sociedade, não me venham depois pedir para lhes assegurar os direitos que essas mesmas convenções permitem. Ou há coerência, ou então vão passear.

Mas esclareçamos um detalhe.
Na generalidade destas matérias, no plano individual, sou conservador, pois casei-me (mesmo se não cheguei propriamente puro à data do evento), não consumo (nem consumi) drogas, nunca me vi na situação de participar numa situação de IVG, nunca recorri à prostituição, não sou homossexual e só no caso da eutanásia, terei uma experiência pessoal directa.
No entanto, não me incomoda nada que os outros tenham modos de vida alternativos ao meu.
Façam o que bem entenderem.
Desde que também respeitem a minha liberdade e não me venham impor nada.
Como podem ver, o meu individualismo e liberalismo é pouco consentâneo com a esquerda clássica, mesmo se a minha relação com a autoridade é ambígua: não gosto do seu exercício, mas gosto que lá esteja - e que todos saibam disso - para quando é necessário exercê-la.
No entanto, a minha tolerância para com a diferença parece completamente inconciliável com os valores morais da direita ocidental clássica.
E aí é que eu vou parar no canto da libertinagem.
Mesmo se é maior a fama do que o proveito.

AV1

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