segunda-feira, abril 18, 2005

Começam os festejos no AVP


Vieira da Silva

Conforme prometido começa hoje no AVP um especial dedicado ao 31º aniversário do 25 de Abril de 1974.
Durante esta semana iremos - à moda de fascículos coleccionáveis - publicar um longo trabalho do António da Costa sobre o Acontecimento e a Memória do que se passou, sempre acompanhado com iconografia alusiva (neste caso, tal como ontem, a imagem é da autoria da pintora Vieira da Silva que fez aquelas que são, de longe, as representações artísticas de maior qualidade a propósito da Revolução dos Cravos).


25 de Abril de 1974 – O Acontecimento

Os acontecimentos do dia 25 de Abril de 1974, na sua natureza essencial mais objectiva, tomaram a feição de um golpe de estado de cariz militar, com os objectivos de substituir a elite política no poder e de alterar os principais aspectos do regime em vigor, no sentido da sua liberalização e da eliminação do seu aparato repressivo autoritário.
Cerca de uma semana depois, nas manifestações populares massivas do dia 1 de Maio de 1974 (declarado feriado pelos novos governantes), a anterior caracterização já se encontrava ultrapassada em virtude da fortíssima movimentação social em decurso que, em grande parte de forma espontânea mas também com algum enquadramento por parte de algumas forças políticas e sociais, começaria desde cedo a pressionar os novos actores da situação política emergente no sentido do alargamento do programa inicialmente previsto pela coligação de motivações que dera origem ao Movimento dos Capitães.

«(...) mais do que no dia 25 de Abril, será no dia 1 de Maio que se poderão encontrar factos comprovativos dos termos do contrato político entre o MFA e a mobilização popular, não só nas grandes cidades como um pouco por todo o país.» (J. Medeiros Ferreira, Ensaio Histórico sobre a Revolução do 25 de Abril, Lisboa, 1983, p. 36)

Esta tensão entre o programa inicial do Movimento - que na sua formulação de mínimo denominador comum, era relativamente neutro do ponto de vista ideológico e minimal no plano de reformas previsto – e os imprevisíveis efeitos da agitação social que se começava a avolumar, fez-se sentir de forma determinante ao longo dos dois anos que se seguiram, deixando sequelas directas até ao início da década de 80 e levando ao gradual f(r)accionamento entre os diferentes grupos que tinham constituído o MFA (e os seus apoios na sociedade civil e no nascente sistema partidário) quanto a orientação a dar ao que já se adivinhava vir a ser uma revolução política e social.
Em termos individuais, a polarização maior aconteceria entre dois dos três principais protagonistas do 25 de Abril, ou seja, entre Otelo Saraiva de Carvalho (o estratega do movimento) e António de Spínola (a figura tutelar desse mesmo movimento), já que o operacional de serviço, Salgueiro Maia, procurou sempre manter-se afastado do primeiro plano das disputas pelo poder, latentes desde os primeiros dias do novo regime.

«Na noite de 25 para 26 desenrolam-se, porém, os primeiros confrontos entre Spínola e os seus fiéis, por um lado, e os oficiais que haviam coordenado as operações de derrube do regime e se assumiam como os dirigentes do Movimento, por outro. Aqueles procuravam apoderar-se do comando dos objectivos conquistados, enquanto Spínola se recusava a aceitar a inclusão no Programa do MFA do reconhecimento do direito dos povos à autodeterminação.» (A. Reis, Portugal – 20 Anos de Democracia, Lisboa, 1994, p. 18)

Enquanto o sector do MFA ligado a Spínola tinha uma agenda política moderamente reformista que não pretendia a completa dissolução do aparelho de Estado (polícial, político, administrativo) herdado do Estado Novo, o sector mais “progressista” em termos ideológicos, rapidamente procuraria fazer avançar a situação para um processo revolucionário mais profundo. Se o final da Guerra Colonial era uma prioridade absoluta, a solução a adoptar para a relação com os territórios ultramarinos não era consensual, oscilando-se entre o federalismo spínolista com concessão de autonomias relativas a alguns territórios e um rápido e puro processo de descolonização por via da completa autodeterminação de todas as colónias. Se a liberalização era outra prioridade, a modalidade do regime a adoptar era outro ponto de discussão, existindo apenas um terreno comum numa concepção de democracia parlamentar vaga, que tanto podia ir de uma versão conservadora (em que o PC e as tendências mais esquerdistas não eram perfeitamente bem-vindas) a uma versão democrática socialista popular (em que todas as tendências não marxistas sofriam o risco de exclusão).

(Continua...)

António da Costa, Abril de 2005

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