quarta-feira, abril 06, 2005

Difícil é aturá-los

Estou a ler de forma não muito contínua as "confissões" do ex-Ministro da Educação Marçal Grilo, registadas nas longas entrevistas com Dulce Neto que foram editadas pela Oficina do Livro em 2001 com o título Difícil é Sentá-los.
A 4ª edição já apareceu em preço de saldo e como o homem é um dos dois únicos Ministros da Educação de jeito nos últimos 20 anos (ou mais, sendo o outro Roberto Carneiro), comprei e vou lendo a espaços.
O desânimo, por vezes a pender quase para a irritação, do homem com os jogos de bastidores da política parece genuíno e permite encontrar reflexões como a que se transcreve, acerca das contrapartidas esperadas por quem dá apoios bem sucedidos. No caso presente são os reitores, mas podia ser qualquer outro grupo de pressão, ou conjunto de indivíduos.

«Alguns reitores, por vezes, têm posições contra o Governo porque não se lhes deu nada como recompensa pelo seu apoio à nova maioria. Digo isto porque esta gente funciona assim, ou seja, têm dos apoios que dão uma concepção estratégica de promoção pessoal. Eu. como nunca pedi ou esperei nada de ninguém, tenho alguma dificuldade em perceber, é uma questão de educação.» (extracto do diário pessoal, transcrito a pp. 221-222)

Por isto é que entre nós, como a maioria se pauta por este tipo de "trocas", é difícil fazer acreditar em posições verdadeiramente independentes. Quem faz as coisas com segundos intuitos, pensa que todos os outros também o fazem. E tudo fica viciado, porque as opiniões estão contaminadas pelos interesses pessoais ou corporativos. E ninguém procura a melhor solução para o bem comum, mas apenas a melhor para si. E acha estar a agir bem, porque "toda a gente faz o mesmo".
Só para exemplificar, há poucos anos, em discussão com um quadro intermédio da administração pública que graças ao bom posicionamento na estrutura de um partido de poder tem sempre convites para dar "formação" muito bem remunerada, mesmo em horário do expediente - o que lhe permite duplicar o salário e gozar com os colegas da mesma categoria, mas "pobrezinhos" -, dizia-me ele que "quem pode, coloca sempre a mão na massa" e que "não me vai dizer que se pudesse, também não o fazia ?".
Respondi-lhe que não, que - tal como escreve M. Grilo - é uma "questão de educação" não aldrabar o próximo, mesmo se o próximo somos todos nós, mas ele não me percebeu e olhou-me com aquele ar de "olha-me para este tótó a armar-se em honesto".
Infelizmente, este é o "chico-espertismo" de sucesso que temos, normalmente forrado a arrogância e a turbodiesel topo de gama.
Ah... ia-me esquecendo de concretizar. O senhor era do PS e durante um par de anos andou meio amargurado, com a escassez de mama, que minguou e migrou para outras bocas. Agora, vou estar com atenção, porque o leite do Estado deve voltar a engordar para aqueles lados.

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