25 de Abril de 1974 – O Acontecimento (Parte II)
O resto do ano de 1974 e 1975 seria passado numa constante luta pelo predomínio no processo revolucionário em curso, cuja indefinição quanto ao resultado final só teria um desfecho em Novembro de 1975. Seria uma solução intermédia a vencer, que não satisfazia muitos mas que a todos deixava o seu espaço de manobra, ou seja a solução proposta pelo chamado “Grupo dos Nove”. As facções mais extremas do M.F.A., inicialmente coligadas contra a ditadura mas rapidamente desavindas, não conseguiriam fazer vencer as suas posições mas, a partir de 1976, todas teriam garantido o seu direito à participação na vida política, desde que o fizessem nos moldes de uma democracia parlamentar de matriz ocidental.
De qualquer modo, e apesar de todos os que vieram a manifestar-se desiludidos com a evolução dos acontecimentos, o golpe militar/revolução de 25 de Abril de 1974 foi um momento único de deposição de um regime mantido longamente graças à inércia e receio da maior parte de uma nação adormecida, incapaz de se mobilizar de forma eficaz contra a ditadura, fora de esferas oposicionistas restritas, fossem elas de matriz republicana (mais elitistas e intelectuais) ou comunista (mais enraízadas no tecido social de parte do país).
Resolvido de uma forma globalmente pacífica, o golpe militar despertaria uma energia longamente adormecida na generalidade do povo português, que aproveitaria a novidade de uma liberdade que quase ninguém experimentara no seu tempo de vida para se expressar de forma festiva e vibrante, quando ainda não se conhecia exactamente em que direcção a Junta de Salvação Nacional iria conduzir o novo regime, a que formas de legitimidade recorreria e que projectos tinha para o futuro, a curto ou médio prazo.
Claro que existe uma diferença abissal, apesar dos pontos de contacto, entre a forma como foram vividos esses tempos por parte dos principais protagonistas de topo dos acontecimentos, da generalidade da população, enquanto multidão nas ruas, ou por cada um dos indivíduos na sua esfera privada de aspirações e/ou receios.
Os primeiros disputavam o controle do Poder, enquanto os últimos procuravam perceber de que forma a sua vida se iria alterar e melhorar com a nova situação. Enquanto massa com uma dinâmica e características colectivas próprias, as multidões representavam, por um lado, a manifestação pública das aspirações comuns da maioria da população mas, por outro, o instrumento privilegiado para a manipulação por parte das diversas facções do novo regime e um campo de batalha político indirecto.
No entanto, na última semana de Abril de 1974 viveu-se um momento único e praticamente irrepetível, de alegria espontânea e ainda não enquadrada por nenhum tipo de estruturas políticas que, na tentativa de a capitalizarem, a viriam a desvirtuar e instrumentalizar pouco tempo depois.
Nessa semana, a alegria transbordou e foi vivida por quase todos sem preocupações do que o futuro reservava, apenas com o prazer da sua própria fruição.
A partir do 1º de Maio, na sequência dos regressos do exílio de Mário Soares e de Álvaro Cunhal e das movimentações de bastidores para a constituição de partidos políticos destinados a enquadrar as diferentes correntes de opinião em formação na sociedade portuguesa e as diversas formas de sentir o futuro do país, a espontaneidade irá cedendo gradualmente e a mobilização popular irá ser “organizada” cada vez mais de acordo com interesses que obedeceriam a lógicas da luta pelo poder ao nível do topo.
É a partir desse momento que começam as disputas sobre o verdadeiro sentido dos acontecimentos de 25 de Abril de 1974, disputas essas que seriam desenvolvidas tanto ao nível da luta pelo Poder herdado, como da luta pela construção da Memória do que tinha ocorrido.
António da Costa
(Amanhã: 25 de Abril - A Memória)
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