quarta-feira, junho 15, 2005

O Reflexo do Camaleão

Ao longo dos anos descobri que tenho o mau hábito de, quase sempre, tender a discordar das posições dominantes em determinados ambientes.
Chamem-lhe mania, chamem-lhe o que quiserem.
Coloquem-me num Centro de Trabalho do PC e toda a gente me achará reaccionário.
Enfiem-me num brainstorming d' O Acidental e serei corrido como perigoso esquerdista. Metam-me numa discussão com um sindicalista e o homem fugirá aterrorizado pelo meu argumentário patornal; já se estiver junto com empresários "de sucesso" parecerei um suspeito sindicalista da velha guarda.
Chamo a isto o Reflexo ou o Síndroma (às avessas) do Camaleão.
Ou seja, assumo a cor inversa à do ambiente envolvente.

Agora uma historinha.
Há poucos anos fui convidado para um Colóquio organizado por um grupo de pressão da nossa sociedade, com o qual tenho algumas afinidades em virtude de algum trabalho que fiz anteriormente.
Levava a minha intervenção preparadinha e cheguei à sessão a horas, feliz e contentinho.
Era o último orador da coisa (não sei se isso era bom ou mau) e fui obrigado a ouvir os intervenientes precedentes.
Que estavam todos de acordo no valor das posições do referido grupo do pressão.
Com o que eu até estava razoavelmente de acordo.
Mas chateou-me ver toda a gente a acenar e a sorrir, todos felizes por ouvirem o que tinham ido ouvir e que era o que gostavam de ouvir.
Cheirei preguiça e acomodamento ao pensamento pré-concebido.
Pus os meus papéis de lado quando chegou a minha vez.
E o caldo entornou.
Coloquei em causa as posições de base que tinham sido expostas e o Céu só não me caiu em cima, porque o período de discussão foi interrompido pela hora de almoço.
Expliquei que o fazia, não porque discordasse do que tinha sido dito, mas porque a acomodação ao lugar-comum agradável e bem-pensante não leva a nada e muito menos à criação de algo novo.
Apesar de tudo, ainda me voltaram a convidar para outra iniciativa.

Serve isto para explicar porque, perante as reservas ao valor de Cunhal como figura da nossa História, tenho tendência a defendê-lo, pelo menos em parte. Porque é fácil dizer que ele não abjurou o estalinismo (o que não é correcto... porque o estalinismo foi formalmente retirado da linha oficial do PC ainda nos anos 50, mesmo se a figura de Estaline não foi apagada) e por isso era um criminoso de massas potencial.
Muita gente se esquece que Cunhal nunca teve o Poder nas mãos e muito do que é imputado ao PC no PREC foi resultado da acção de grupos políticos onde encontraríamos gente agora muito respeitável, de Presidentes da Comissão Europeia a eminências pardas da actual governação, passando por ilustres académicos e não só.
Mas a esses ninguém se parece lembrar de apontar os erros ou então justificam-nos com a "juventude".
O Cunhal é que leva com tudo em cima, esquecendo-se que terá sido graças a ele e ao Costa Gomes que em Novembro de 75 as coisas não descambaram para o torto.
Disso ninguém - ou muito poucos - se parece lembrar.
Haja memória... por completo !

AV1

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