quarta-feira, abril 20, 2005

Especial 25 de Abril - III



25 de Abril de 1974 – A Memória (Parte I)

A nossa memória dos acontecimentos passados nunca é objectiva e nunca consegue retratar de forma exacta o que se passou, sendo isso ainda mais grave quando se trata de fazer a interpretação desses mesmos acontecimentos, extrair-lhe um sentido e relacioná-los na sequência de tudo o que os antecedeu, buscando-lhes as causas próximas ou profundas, e lhes sucedeu, tentando perceber se o que veio depois a ocorrer já estava mais ou menos predeterminado.
Porque estivemos envolvidos directamente no que se passou e esse envolvimento perturbou a nossa percepção, ou porque não fomos testemunhas directas e dependemos dos relatos de outros, a reconstituição de momentos marcantes do passado histórico acaba por resultar de uma construção feita pela nossa memória, que selecciona e combina diversos elementos, de acordo com padrões condicionados por questões afectivas ou por motivações particulares.
No caso de acontecimentos tão relevantes e simbólicos como o 25 de Abril de 1974 este fenómeno de construção da memória assume ainda maior importância porque, aos aspectos individuais, acrescem os elementos culturais, ideológicos e políticos que pretendem condicionar a forma como será transmitida e preservada essa memória colectiva, que se torna assim motivo e palco de acesa disputa por parte dos diferentes grupos em luta pela hegemonia do Poder, político, económico e/ou cultural.
Protagonistas, motivações, acções, tudo se torna com o passar do tempo, motivo de revisão, reapreciação e reconstrução, conforme os pontos de vista, ideológicos e não só, e a(s) agenda(s) daqueles que pretendem tornar-se os guardiães preferenciais da memória.
A (re)construção da memória torna-se, em grande parte, uma estratégia de legitimação da posse do Poder por um determinado grupo que, por essa via, procura demonstrar como a situação presente estava já definida geneticamente nas acções (positivas) do passado.
Por outro lado, se é interessante verificar como alguns dos protagonistas do momento interpretam de forma diferente os acontecimentos em que participaram, ainda é mais curioso como os observadores externos, mesmo se interessados, recordam e caracterizam – à distãncia - de forma diversa o que foi vivido. Só para dar um exemplo de duas figuras que, em 1974, tinham uma posição próxima do regime deposto, mesmo se discreta e moderadamente crítica, vejamos como Diogo Freitas do Amaral e Marcelo Rebelo de Sousa – ambos muito próximos de Marcelo Caetano – qualificam de forma bem distinta os acontecimentos de 25 de Abril de 1974: enquanto o primeiro não hesita nas suas memórias políticas em falar, desde logo, de uma “Revolução vitoriosa” (O Antigo Regime e a Revolução, Lisboa, 1995, p. 149), o segundo fica-se por um “golpe de Estado de carácter militar” que só depois teria um “suave deslizar para a Revolução” (A Revolução e o Nascimento do PPD, Lisboa, 2000, vol. I, p. 26).
Este tipo de releitura do passado verifica-se com eventos e datas simbólicas como a Restauração (1 de Dezembro de 1640), a Revolução Liberal (24 de Agosto de 1820), a Implantação da República (5 de Outubro de 1910), a “Revolução Nacional” (28 de Maio de 1926) ou, como se vê, a própria “Revolução dos Cravos”.

(Continua...)

António da Costa

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